O grupo parecia ainda maior do que o costume e ela, a velha professora, ao sair de casa parou e perguntou-lhes se já estavam em férias. “Sim”, disseram eles, “a partir de hoje, quarta-feira”.
0 Comments
Nos anos letivos 1989/1990 e 1990/1991 tive a sorte, e a felicidade, de ser convidada para integrar o Conselho Diretivo da Escola Secundária de Santa Maria Maior, em Viana do Castelo.
Em janeiro de 1988 iniciei-me como professora num pequeno horário noturno na Escola Secundária de Santa Maria Maior, em Viana do Castelo. Nesse ano frequentava também o primeiro ano de estágio, regime transitório na Faculdade de Letras do Porto. No ano letivo seguinte, 1988/1989, a Escola Secundária Rainha Santa Isabel acolheu-me para o segundo ano de estágio, a parte prática. Em 1989/1990, já com estágio concluído voltei a ficar colocada na Escola Secundária de Santa Maria Maior. Poucos dias depois de se iniciar o ano letivo, com a saída do colega Avelino, o Padre Avelino dos Passionistas de Barroselas, para a Direção Regional de Viana do Castelo para trabalhar com o dr. Cachadinha, fui convidada para integrar o Conselho Diretivo. Aceitei o desafio… e integrei uma equipa extraordinária: Benjamim Pereira Moreira; Olímpia Alves (a querida Pinha); Alice Palhares Martins e Miguelote Monteiro. Esta equipa de eleição aceitou integrar uma novata cheia de garra e vontade de fazer coisas… mas inexperiente. Fiquei como vogal, responsável pelos cursos noturnos. O presidente do conselho diretivo era o Benjamim Pereira Moreira (atual diretor do Agrupamento de Escolas de Santa Maria Maior) um verdadeiro líder…um jovem líder que sabia delegar competências e responsabilizar a sua equipa… que confiava no nosso trabalho… o Benjamim era um verdadeiro impulsionador de talento(s) e criatividade. No ano seguinte fiquei efetiva, como ao tempo se designava, na Escola C+S de Grijó…mas solicitei destacamento para continuar a integrar esta equipa fantástica, uma vez que havia assumido um compromisso por dois anos. Foram dois anos que me influenciaram para o resto da vida; que me moldaram o percurso…pela positiva… e para sempre… Passados esses dois anos, fiquei colocada na Escola Secundária Augusto Gomes, no ano letivo 1991/1992 e não mais concorri. Iniciava uma nova etapa. Hoje, graças à participação de um Seminário na Universidade Católica do Porto sobre liderança, reencontrei casualmente o Benjamim. Foi extraordinário. Estava a assistir a um seminário sobre liderança e, passados 26 anos, reencontrava um líder no verdadeiro sentido da palavra… um profissional de excelência que me moldou o percurso, as escolhas e contribuiu para a profissional que hoje sou… uma profissional que acredita em CPA (Comunidades Profissionais de Aprendizagem), na colaboração, na partilha, na confiança, na criação de oportunidades… em impulsionadores de talentos. Obrigada Benjamim, Pinha, Alice e Miguelote pela oportunidade, pela confiança solidária… pelas marcantes, e inesquecíveis, (des)construções profissionais… A ti Benjamim, parabéns pela qualidade, rigor, profissionalismo e excelência que sempre procuras em tudo o que fazes. É, para mim, um grande orgulho ter integrado uma equipa liderada por ti…tu que sempre acreditaste e defendeste que “a escola deve ser um espaço de felicidade”. Bem Hajas!... O nosso reencontro abriu o baú de recordações e fez-me recuar 26 anos… e foi muito bom!... Obrigada Universidade Católica do Porto por este momento extraordinário…obrigada Professor Matias Alves pelo registo fotográfico!... Ser Professor [também] é isto!... Elvira Rodrigues A ESCOLA E AS SUAS FRONTEIRAS ABERTASDesde que somos Agrupamento, que compreendemos que as nossas fronteiras tinham sido alargadas às fronteiras do Concelho. Evidentemente que esta mudança produziu alterações na nossa identidade de escola, agora composta por muitas escolas, e também nos nossos afetos com o(s) mundo(s) à nossa volta. Tinham mudado todas as respostas a perguntas importantes: quem são os nossos alunos? Quem são as nossas famílias? Quais são os nossos lugares? Ao constituir-se um Agrupamento todas as crianças do Concelho passariam a ser nossos alunos, todas as suas famílias passariam a ser nossas famílias e todos os lugares também seriam nossos. Logo, aumentou o tamanho e a complexidade dos espaços e das relações, com um enorme desafio a ampliar o coração e a mente para estas grandes mudanças. Aos poucos fomo-nos adaptando e descobrindo os aspetos positivos do aumento da complexidade. No ano letivo passado, o Ministério da Educação lançou o Programa Nacional de Promoção do Sucesso Escolar e nós, como muitas outras escolas, aceitámos o desafio. Lançámos mãos à obra, ainda não tinha saído o aviso nem sabíamos o formato que iria ter a candidatura do Agrupamento em termos finais, mas sabíamos o que queríamos e sabíamos que sem a colaboração do Município seria impossível conseguir realizar algumas das nossas ideias. Uma delas relacionava-se com o desejo de transformar a escola num catalisador cultural do Concelho, pois tínhamos e temos o Know how, mas faltava-nos uma oportunidade concreta para dinamizar esse propósito. Nos nossos encontros com o Sr. Presidente da Câmara Municipal fomos dando conhecimento das nossas propostas de medidas para a promoção do sucesso escolar. Todas elas foram acolhidas com entusiasmo e, no meio das nossas conversas, convocamos essa ideia, sendo que emergiu uma nova medida que acabou por se intitular Inclusão Cultural e Cidadania. Pretendíamos envolver toda a comunidade do Concelho: os pais, os avós, as crianças. Como planificamos: temos um excelente professor do 1º Ciclo, que é o Carlos Paixão, autor de diversos livros e que adora história. Neste ano, dada a sua muita experiência de vida e de profissão, ele teve a possibilidade de ficar sem turma atribuída durante um ano letivo, estando assim mais disponível para se dedicar e esta ideia. O nosso projeto foi ganhando corpo e foi delineado sem presunção, mas sabendo que era um desafio e que iria exigir trabalho: 3 colóquios na Casa da Cultura, 3 exposições, 3 Caminhadas Culturais. Foram já realizadas 4 das 6 atividades programadas com uma adesão inesperada de pais e avós, com muitas visitas guiadas a pais e a alunos: - às exposições “Chávenas de Café e Pacotes de Açúcar” e “Miniaturas de Meios de Transporte”, que aproveitou o gosto pelo colecionismo de diferentes pessoas do Concelho; - aos colóquios “Caminhos da Cultura e da Escrita” e “Património Religioso, Fé, Arte e Cultura” que tiveram a participação de muitos cidadãos do Concelho, tendo sido noticiados nas rádios locais (http://alivefm.pt/coloquio-caminhos-da-leitura-e-da-escrita/)) - às caminhadas culturais ao Tojal, Serrazela, Cruz e Samorim, que receberam uma forte adesão da comunidade local, sendo também noticiadas nas rádios e outros meios de comunicação (http://letraseconteudos.blogspot.pt/2017/02/caminhada-cultural-vai-passar-por.html). O Carlos Paixão acabou por ser ainda solicitado para outras atividades na Casa do Povo com histórias para contar junto dos idosos e muitas outras atividades que tem desenvolvido com os alunos da EB1 de Sátão. O que já aprendemos: podemos sempre fazer mais no contributo para o aumento da cultura, o seu alargamento às populações que não tiveram a “escola toda”; podemos integrar e valorizar outras culturas e outras experiências que nos enriquecem nas atividades educativas e culturais da escola; podemos chegar a mais pessoas, a mais lugares; podemos gerar o sonho, valorizar a criatividade e levar a alegria de forma simples e descontraída, criando e fortalecendo o sentido de sermos comunidade e valorizando o potencial de cada um para um cada vez melhor saber estar juntos. Com estas dinâmicas culturais e sociais estamos a dar corpo e sentido àquele que deverá ser hoje o papel da escola, de uma escola cujas fronteiras são o Concelho de Sátão e que se deseja aberta ao mundo para que os nossos alunos aprendam a sonhar e a voar alto. Helena Castro (Diretora do Agrupamento de Escolas de Satão) Tenho 15 anos. De casa para a escola. Da escola para casa. Diariamente percorro o caminho de ida e volta. E vagueio à volta de mim. Ando no 10.° ano. Humanidades. Numa turma de 33 alunos. Na escola, o professor de Filosofia diz que a educação é a alavanca do progresso social, da emancipação do homem,
que é o investimento certo para o futuro. E a professora de História garante que, desde a sua criação, a escola foi um instrumento de mobilidade social; que os títulos académicos democratizaram a vida e vieram substituir a estratificação de sangue. Grande invenção, a escola, disse ela. E acrescentou que o passado nos ensina que a escola é uma passagem, o tempo de preparação para a vida ativa, para o futuro risonho e feliz. E que, por isso, era necessário o sacrifício, o esforço. Nada dessas modernices da compreensão crítica. Decorar as matérias, respeitar as regras da pontualidade, da assiduidade e do respeito pela autoridade se quiséssemos ter boas notas e entrar na universidade ou, caso se não entrasse, se tentar um bom emprego. Com o capital relacional que a escola também gera. E a professora de Português lembra, na aula logo a seguir, que é preciso conhecer o narrador autodiegético e heterodiegético, os modos de expressão literária, as cantigas de escárnio e maldizer e as de amigo e de amor porque a literatura é a morada do ser, a revelação do mundo. E que quando fôssemos adultos haveríamos de compreender a sua importância cultural na afirmação da identidade cultural e linguística. Tenho 15 anos. Durante 31 horas por semana recebo o saber que me promete uma vida futura risonha e feliz. Ainda ontem o professor dizia que o Latim era a base da estruturação da língua, do raciocínio, e se quiséssemos um dia trabalhar em qualquer área profissional da comunicação, do direito, etc., tínhamos de aprender as declinações, o Rosa, Rosae. Procuro concentrar-me no meio dos discursos intermináveis. De vez em quando, uma aflição cresce no peito e é quase uma asfixia. Ainda anteontem, quando estava sozinho em casa, o meu pai comentava com um amigo (ou foi na televisão?) que o mundo moderno esmaga o homem com a precariedade de todos os horizontes. O “globalitarismo”, a deslocalização, a precarização de todos os vínculos, o desemprego massivo – ele disse. Não percebi o que ele disse, mas senti um desconforto enorme. E então fechei-me no quarto a tocar desesperadamente viola e a tentar perceber o suicídio do meu ídolo Kurt Cobain. Procuro concentrar-me. As provas globais estão a chegar e são sobre a matéria toda. Dizem-me que tenho de ter um plano de trabalho, um método de estudo, se não estou tramado. Que as provas globais são muito importantes para medir os conhecimentos que conseguimos decorar. Procuro concentrar-me na descoberta de um plano e de um método. Procuro nos arquivos da memória esse saber e não o encontro. Vagueio à volta de mim. Ligo o computador e na pasta do meu pai há um texto com o título “Sem tecto, entre ruínas”. Carrego no cursor e aparecem “teses sobre o sem-sentido da escola”. E vou lendo “toda a preparação escolar para a vida activa será um fracasso se a organização social e a organização do trabalho não se reorganizarem de modo a darem um sentido diferente à vida”; (...) “há uma crise estrutural de motivação nas escolas secundárias e a organização económica tem certamente a ver com isso”; (...) “se a vida ‘activa’ não oferecer perspectivas de promoção, os alunos e os professores dificilmente acreditarão no sentido da vida escolar”; (...)“viver alienado no tempo presente em troca de um tempo futuro pleno e radioso é uma mistificação insidiosa”. De maneira que encerrei o texto e abri para um jogo de futebol. Mas logo o meu pai me chamou. Se eu não tinha de estudar. Se não tinha de me preparar para os testes de História e de Filosofia. Abri o livro Pensar a História e fui relendo a formação da sociedade senhorial e vassálica, a consolidação da ordem feudo-senhorial, os particularismos portugueses do regime senhorial e feudal: o predomínio dos grandes senhorios monásticos, o senhorialismo monárquico, etc. Fui relendo, olhando o passado com o coração no presente. Depois peguei no livro de Filosofia e li que “o mundo alterou-se tão rapidamente que o homem tem dificuldade em acompanhar o ritmo da mudança na economia, na política, nas comunicações, nos valores e no estilo de vida”. Que “resistimos a mudar, receamos a incerteza, mas a História não pára”. Pois. Não pára. E para onde vai? E para onde é que eu vou? E que faço eu aqui, nesta tarde cheia de sol, sozinho em casa, a mergulhar em séculos e séculos de saber? Onde poderei ler o sentido da minha adolescência, a confusão da minha respiração? Onde poderei encontrar as respostas para as minhas inquietações? Onde? Tenho 15 anos. Tenho 10 anos de escola. Esmagado pelo vazio da incerteza. Pelo tédio de não perceber. “Sem tecto, entre ruínas”. José Matias Alves (texto escrito há cerca de 20 anos, à flor da pele. Republico-o, hoje, com uma larga sombra no olhar) Ana Luísa Melo
“Não lugar” O “não lugar” é um sítio que tem lugar num espaço e num tempo físicos, mas que não assume significado nem relevância para quem lá passa ou vive. Não fica na memória nem como espaço nem como tempo. Não tem lugar em ninguém. Não fica. Simplesmente, não fica. Nada. Referiram-no numa ação de formação em que estive há dias. Lembrei-me como tinha já sido sensível a essa noção. Uma amiga e companheira de muitos percursos tinha-o referenciado há alguns anos na sua tese de mestrado, a propósito do que é a escola para alguns alunos. Recordei essa noção com interesse e tristeza. Interessada nesse lugar estranho que se entende como “não lugar”, pensei na escola. Pensei nas tantas escolas que foram – e são - meus lugares. Nos meus alunos. Na minha sala de aulas – o coração da escola. É-me difícil ver a escola como um “não lugar”. A minha escola já foram muitas. Foram muitos os lugares a que me dei. Dediquei a cada um desses lugares o meu tempo, o meu saber e a minha intuição. Vivi esses e nesses lugares. Quando volto a eles, faço-o como se fosse revisitar um tesouro que guardei e que redescubro nos mais simples olhares que, de novo, o espreitam. Fico como que encantada e curiosa a observar os alunos que o povoam naquela altura. Iguais e diferentes dos que foram meus. São sempre alunos. Toca e voltam às salas de aula. Ao coração da escola. Ao “lugar”. A esse povoado cheio de palavras novas e exigentes, cor e sonoridade. Aí, existe mais do que um “lugar”; é todo um universo o que acontece na sala de aula. Mas, se for um lugar, que o seja grande. Onde todos anseiem mundo. É, sabemo-lo bem, onde tudo acontece. Maria do Carmo Cruz
Este é um dos meus lemas. Aprendi o seu valor num dos mais belos livros que li, e que comecei a ler num avião bimotor que me levava de Luanda a Malange, na manhã do dia 8 de Março de 1963. Chama-se “Cidadela”, de J. Cronin. Este lema tem-me ajudado a relativizar coisas complicadas e a aceitar com coerência situações que, à partida, pareciam impossíveis de melhorar. O intróito serve para vos contar por que tenho um Filho chamado Carlos Manuel mas que eu queria que se chamasse João Manuel. Só que, nessa altura, com os meus 21 anos acabados de fazer, eu já dava aulas e tinha um aluno chamado João Manuel. Este aluno dava umas respostas tão loucas que eu, na ignorância da idade e escudada no meu Amor incondicional por aquele Filho tão desejado, reconheço que tive medo que os nomes tivessem algum efeito nas pessoas… Podem rir-se ou sorrir, mas não quis arriscar. Pois o João Manuel, soube-o há pouco, cresceu, mudou e acaba de se aposentar de um lugar de responsabilidade que exerceu com honra e com saber. Portanto, cuidado, “nada é definitivo”, graças a Deus. Agora, vamos ao mais importante: o João Manuel, naquele longínquo ano lectivo de 1963/64, estava a repetir o 2º ano de uma Escola Industrial e Comercial e eu era professora de Língua e História Pátria. No fim de cada período fazíamos uma prova global (!!!), que era elaborada pelo Professor Responsável pela disciplina, igual para todas turmas. A prova, em que os alunos respondiam directamente na folha das perguntas, era igualmente corrigida por esse Professor, sempre licenciado, e servia também para aferir a competência dos que, como eu então, não tinham habilitações completas. Pois na prova de fim do 1º período, à questão sobre o que se pretendia com a Lei das Sesmarias, o João Manuel respondeu: “A Lei das Seis Marias dizia que a cólera mole e a febre-amarela só podiam aparecer no reinado de D. Maria II.” (ipsis verbis) Fiquei para morrer! A seguir, havia uma composição subordinada à “Crise de 1383-1385” (perguntar isto, assim, a miúdos de 11 anos, que viviam uma realidade completamente diferente, reconheço, também era de loucos). E ainda hoje sei de cor, com pontuação e parágrafos, o que escreveu o João Manuel: “D. Fernando casou com D. Leonor Teles, senhora de maus portos. Casou contra a vontade do povo. Não foi feliz. Bem feito.” Bem, aqui dei umas saudáveis gargalhadas, mas o medo instalou-se: nessa altura, fim do 1º período, eu estava grávida de 5 meses! E foi por estas bolandas que o meu Primogénito ficou a chamar-se Carlos Manuel! Chegou o encerramento do primeiro período. Entre colegas, neste tempo de balanço, a questão que discutimos é: são de usar os recursos disponíveis, todos os apoios e dispositivos de acompanhamento do aluno previstos em lei? É obrigatório, mesmo quando a nossa leitura das circunstâncias não o aconselha?
O António é obeso. Finalmente, depois de tantas tentativas falhadas para o arrancar de horas infindáveis diante do computador, anda entusiasmado com o handball, que iniciou no ano passado. Mas, em novembro, a aula de recuperação de matemática veio cair num dos três treinos semanais. “A faltar a um treino por semana tiram-me da equipa. Fico no banco.” Diz-me ele desolado. “ E eu, este ano, até estou a tirar positiva a matemática. Nem conheço a professora que vem dar o apoio. Eu gosto é da que dá aulas à minha turma!” Então não é o Conselho de Turma quem decide, analisadas todas as condicionantes? Não. Se está na lei, aplique-se. O António tem um percurso escolar infeliz e agora está no 7º, mas já com três retenções. Para casos destes há uma série de mecanismos a acionar. Obrigatórios? “Temos de nos salvaguardar”, repete a prudência. “O melhor é ele ter tudo a que tem direito, para depois não nos acusarem de negligência.” E é nesta ordem de ideias que o António “beneficiará” também de “apoio tutorial específico” que acaba por lhe ocupar a única tarde livre. O que soa a penalização e não a ajuda. Anda assim a solução desajustada ao problema, quase a gerar mais problema. Como diziam na semana passada os especialistas da ONU a analisar situações de pobreza em Portugal: “Tirar os filhos à família que vive em casa sem condições mínimas? Como? É uma família à espera de habitação social, acelere-se o processo!” Hoje, com mais recursos do que nunca, o cerco à criança é implacável. Mais horas na escola e tantas vezes para bem pouco sucesso: “o plano é adequado, as estratégias desenvolveram-se como previsto, o aluno é assíduo e interessado, mas fica retido porque não atingiu as metas.” Manuela Gama Viagem de estudo a Lisboa com duas turmas de 9ºano de muito bom nível, num só autocarro cheiinho como um ovo. Dois dias excelentes. Nas visitas aos museus, o diálogo com os guias é vivo e inteligente. São alunos com percursos escolares não interrompidos e na generalidade felizes. Aqueles que não estão tão virados para os livros, o certo é que são estimulados pelos que trazem hábitos de trabalho e todos interagem muito bem uns com os outros. E dá uma boa mistura de modos diferentes de estar no mundo e na vida.
Tempo ameno que permite alongar o piquenique nos jardins da Gulbenkian. Os sete alunos que estão comigo todos dizem que gostam da escola mas não gostam de estudar. Afirmações tão decididas e tão unânimes que não podem deixar de me espantar. Se estes, os que têm boas notas, não gostam de estudar, onde estarão os que gostam? Corresponde mesmo à verdade ou é um efeito de contágio tão eficaz que nenhum se atreve a confessar que sim e até agradece a possibilidade de poder estudar? E pergunto: mas o que farias se não tivesses escola? Resposta: nada. Nada? Achas que seria possível? Pensa, por exemplo, nos jovens angolanos da tua idade que não vão à escola. Em que te parece que ocupam os dias? Ó professora, podem fazer o que lhes apetecer. Não, diz um colega, têm de ajudar os pais. Continuam sem que eu intervenha e com a discussão de fundo interrogo-me sobre a pouca consciência do que recebem ao poder vir à escola. Do privilégio imenso de saber ler, compreender uma mensagem escrita, não ter dificuldade em redigir uma resposta ou preencher um qualquer formulário. Receberam sem pedir. Vêm à escola porque são obrigados e ponto final. Faz falta meter a mão na massa, alguma experiência de vida real em que lhes sejam permitidas responsabilidades próprias. Este vogar à superfície de águas represadas não é próprio do humano. Manuela Gama Ilídia Cabral
“QUEREMOS FICHAS NOVAS!” Num questionário aplicado a alunos do 2º ciclo sobre práticas de ensino no agrupamento de escolas que frequentam, colocava-se a seguinte questão: Na tua opinião, o que poderiam os professores fazer para que os alunos aprendessem mais? As respostas foram variadas. Uns disseram que gostariam de “fazer atividades mais práticas e interativas”. Outros, que gostariam que os professores explicassem melhor as matérias em que eles têm mais dificuldades. Houve quem dissesse que gostava que os professores fizessem “mais exercícios diferentes para cada aluno, conforme as suas dificuldades” e quem tenha dito que “os professores podiam criar projetos com a matéria que esperam que os alunos aprendam”. E também se expressou a vontade de que os professores tentassem “ajudar nas dificuldades de todos os alunos. Dar atenção a todos os alunos.” Sugestões que apontam para o cansaço face a um modelo escolar que cultiva a passividade dos alunos, a uniformização de procedimentos, a impessoalidade da relação pedagógica e que a todos trata por igual, sendo que todos são diferentes. Mas estas são as respostas daqueles que, apesar de socializados desde sempre neste modelo escolar, conseguem vislumbrar uma alternativa. E conseguem compreender que poderiam aprender mais com atividades mais diferenciadas, mais colaborativas, mais aliciantes. Contudo, há um número expressivo de alunos que não consegue ver para além das ‘fichas’ e que pede “mais fichas, para podermos aprender mais”. Há aqueles que ainda ousam pedir fichas novas: “Poderíamos fazer fichas novas em vez de ser sempre do caderno de atividades.” Preocupante este discurso… Porque retrata a pobreza das práticas que operacionalizam um modelo escolar obsoleto e a aceitação passiva e inquestionada desse mesmo modelo. Na inevitabilidade aprendida (ao longo de anos e anos) de que as fichas são o modo de ensinar por excelência, se os alunos não conseguem aprender, então… é porque precisam de mais fichas… Porque sempre foi assim: quem não aprende, faz mais do mesmo, até aprender. E se mesmo assim não aprender, reprova. E reprovando, tem a oportunidade de fazer mais fichas (as mesmas, quem sabe…). E se continuar sem aprender, acabará por sair do sistema sem ter aprendido, aceitando-se como natural que haja alunos que aprendem e outros, que não. Sabemos bem que as fichas fazem parte do quotidiano escolar em praticamente todas as disciplinas. Nada tenho contra as fichas em si mesmas. Mas há questões que me inquietam: Que fichas fazem os alunos? Qual o sentido dessas fichas? Como são construídas? Com que objetivo? Existem por si só, ou fazem parte de uma estratégia mais ampla de ensino? Porque são as mesmas para todos? Porque é que todos têm que as resolver tendencialmente no mesmo tempo? O que aprendem realmente os alunos com estas fichas? Como se monitoriza e avalia a sua eficácia em termos de promoção da aprendizagem? Que alternativas se equacionam? É urgente repensar o sentido do trabalho escolar. Para que as escolas possam ser mais do que uma sucessão de rotinas quantas vezes estéreis e insensatas. Para que possam ser lugares de aprendizagem para todos e para cada um. Para que possam afirmar-se enquanto espaços de produção e procura ativa do conhecimento, enquanto lugares de desenvolvimento. Mas isto implica: i. Adequar o modelo escolar à heterogeneidade dos alunos, criando lógicas mais flexíveis de os agrupar, de lhes alocar professores, de organizar os tempos e os espaços escolares, de modo a aumentar as possibilidades de sucesso de todos. ii. Centrar a organização escolar e os projetos educativos nas aprendizagens, numa ação estratégica concertada, articulada e integrada, capaz de promover a melhoria dos processos e dos resultados educativos. iii. Repensar os modos de trabalho docente, fomentando lógicas de ação mais colaborativas entre professores, dentro e fora da sala de aula. iv. Intencionalizar a ação educativa, refletindo sistemática e conjuntamente sobre as práticas de sala de aula, monitorizando e avaliando a sua eficácia. v. Criar e valorizar oportunidades de desenvolvimento profissional docente alicerçadas em lógicas de formação-ação que permitam aos professores a melhoria contínua das suas práticas. E, acima de tudo, implica ousar ser autor de um tempo mais respirável por entre a asfixia de tantos dias de uma mesmidão desconcertante nas nossas escolas. Investigar obriga a uma atualização contínua e permanente; a uma busca incessante que fascina… a um desafio criativo que transportamos para a sala de aula…
O professor como investigador das suas práticas (Stenhouse, 1987) ganha novos contornos e desafios na atualidade. Aceitando o repto lançado por Legendre (1983), as ciências da educação derrubaram as paredes dos gabinetes e penetraram no interior dos estabelecimentos de ensino – numa interligação entre investigadores ligados ao ensino superior, lideranças de topo e lideranças intermédias, projetos… Contudo, nos últimos anos são cada vez mais os professores dos ensinos básico e secundário que, a par com a docência, desenvolvem atividades de investigação no âmbito de especializações, mestrados e doutoramentos. Em simultâneo no quotidiano das escolas a burocracia aumenta diariamente retirando tempo à reflexão e concentração e leveza de espírito tão necessárias à criatividade e aplicação de novas propostas no terreno. Visionários, apelidam uns, lunáticos outros… todos aqueles que, não obstante a “loucura” do quotidiano, ainda ousam caminhar pelos sinuosos trilhos da investigação. Questões como “o que é que ganhas com isso?”; “com tanto que fazer ainda tens coragem para mais?”; “estás cansada? É normal, não te metas em investigações”…são frases recorrentes. Curiosamente, quem coloca as coisas nestes termos, esquece-se de uma premissa importante – cada um de nós tem o direito de fazer o que bem entende com o seu tempo de ócio – (cada vez mais escasso, é um facto)… Costumo responder em jeito de brincadeira que investigar é a minha ligação umbilical à profissão que escolhi por vocação…. Investigar obriga a uma atualização contínua e permanente; a uma busca incessante que fascina… a um desafio criativo que transportamos para a sala de aula… numa consentida ubiquidade professor/aluno … É fantástico sermos professores e continuarmos a ser alunos... Enquanto docente transporto para a sala de aula muito do que experiencio, aprendo e testo enquanto aluna. Em contrapartida, enquanto aluna retiro muito das minhas experiências e vivências enquanto docente… são duas faces da mesma moeda que se completam e dão novo alento ao meu quotidiano. Reciclando o slogan: Poderia ser professora sem estar ligada à investigação? Claro que poderia… mas… não seria a mesma coisa!... Elvira Rodrigues |
Clique aqui para editar .
AutorDiplomados e alunos da Católica Porto Educação Arquivos
August 2017
Categorias
All
|