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No início do ano letivo, quando transmito (tento) aos meus alunos a ideia da importância de possuir uma qualificação como passaporte para a viagem da vida, costumo dizer-lhes que a grande questão identitária do seu período moratório é: “Nessa viagem, quero ser passageiro ou condutor?” Depois acrescento que se optarem por responder que assumem o compromisso de dirigir a sua vida, sabem que uma qualificação facilitará esse propósito. Ninguém deve ser passageiro de um destino com rota traçada por outra cabeça ou, pior, bagagem de mão de outro passageiro…. “Dominem o veículo, escolham a estrada e não se desviem da ambição de ir cada vez mais longe”, digo muitas vezes. O conhecimento liberta, tento explicar. O conhecimento que a escola dá pode ser visto como uma carta de alforria que protege da dependência do “chico espertismo” que manipula e engana os que não sabem ou fingem saber. A autonomia é a materialização de uma liberdade madura, que compreende a responsabilidade da escolha e a importância vinculativa de um compromisso. E, neste contexto, um compromisso é uma também uma expressão de liberdade. É esse compromisso que peço aos meus alunos no início do ano. Este ano um aluno, embarcando na minha alegoria, disse-me: “ Professora o problema não está na escolha, está na gasolina. Que importa o que nós queremos se não há dinheiro?”. Respondi que não era uma questão de dinheiro mas de convicção, que o “veículo” podia ser uma “lata” ou um topo de gama, mas o importante era decidir qualificar-se para o conduzir e não se desviar desse projeto. “ Quanto ao combustível cabe a ti descobrir um que possas pagar. E não te esqueças que há combustíveis alternativos….” Acrescentei. “Por exemplo?” Continuou interpelando. “ A força de vontade” respondi. “Essa é de graça…” Lembrei-me deste episódio pois uma funcionária da escola onde trabalho falou-me, hoje, da desmotivação com acorda todos os dias para trabalhar, sentindo que mais cedo ou mais tarde uma nova medida legislativa vai piorar a sua, já má, situação económica. Então decidi que para o início do próximo ano tenho de encontrar uma analogia mais convincente, mais difícil de refutar. Estou a ficar sem argumentos. Neste momento não seria capaz de responder a mesma coisa…. Só sei ser honesta quando respondo a um aluno. Hoje sei que me seria difícil dizer que só depende de nós dominar o volante e manter o veículo da nossa vida em andamento. Porque, apesar de tentar manter viva a minha célula otimista (acho que já resta só uma….) percebo o Ricardo: o problema está efetivamente no combustível. Mas não num combustível fóssil. O problema é que até para os melhores condutores é difícil seguir em frente quando o seu combustível natural (motivação) fossilizou. Aguenta sem pegares Fogo aos dias e deixa que eles passem, Serenos como voo de pássaro à tardinha: nada podes contra a noite a fazer sombra aos dias que hão-de vir: não dançam as árvores ao abraço do vento? Então, porque não dás tempo a amolecerem as dores que te saem ao caminho? Não bastam os que contigo caminham, Que ainda de outros procuras? Se tudo há-de acabar em escuro eterno, deixa que brilhe hoje o sol, pois pode ser amanhã um definitivo nada: que o luto por ti mesmo seja o caminho de entender como belo continuar pode o mundo ser depois de seres nada. Francisco Niebro, in Ars Vivendi Ars Moriendi (Âncora Editora, 2012) De facto, nada podemos contra a noite, contra a chuva, contra o vento… a não ser aceitá-los. E saber esperar o raio de sol que virá confortar a nossa alma. Possamos fazer, de cada dia, um dia, pois não somos mais um, mas um. E cada dia vale, cada dia conta. Saibamos "aceitar a serenidade da espera ativa de um fruto". Paula Pessoa Hoje, sustento a tese de que a realidade não é independente do sujeito que a observa e cria. Até certo ponto, a realidade é uma (re)criação do sujeito, é o que pensamos que ela é. Porque, em larga medida, nós agimos em função do que pensamos (e do que sentimos). E quando olhamos para a escola, o que é que nós vemos? O que é que nós pensamos? O que é que nós sentimos? Que atitude e disposição assumimos? Teremos, certamente, mil razões e sentimentos para vermos a escola como um local de solidão, sofrimento, fuga e até expiação. Mas esta visão devolve-nos um mal-estar que nos agonia, nos entristece, nos esgota, e, no limite, nos destrói. Precisamos de ver, na escola, pequenos oásis que (re)confortam. Gestos que nos animam. Oportunidades que nos encantam e alentam. Poderes que nos gratificam. Precisamos de tempos de encontros e de celebração. Precisamos de nos felicitar uns aos outros. Porque estes motivos também podem existir. E são eles que nos podem animar e ampliar uma disposição gerada por estes mil espelhos de alegria. Precisamos destas imagens de alegria. Precisamos de as ver. Precisamos de construir e reconhecer. Porque a nossa felicidade – e a nossa realização profissional - passa por aí. Isto não significa, obviamente, distorcer a realidade, ignorar o que nos avilta e oprime, desvalorizar o peso do sistema. Não! Essa face da realidade tem de merecer a nossa contestação. Mas precisamos de nos situar na construção das margens da alegria. Sobretudo nestes tempos críticos e de ameaça. José Matias Alves O Economista Tim Harford numa brilhante palestra do TEDGlobal vê no “complexo de Deus” um dos perigos do conhecimento. Mas o conhecimento tem perigos? Todo o conhecimento que não seja reflexivo sobre a sua natureza ética, fundamento, origem e aplicabilidade pode ser potencialmente perigoso. Conhecer não é um mal em si mesmo. Conhecer é sempre enriquecimento. O que se faz com o que se conhece é que o pode tornar bivalente. Porque nem tudo o que o conhecimento pode indicar é eticamente aceitável. O que Archie Coochrane chamou de “Complexo de Deus” é um dos potenciais perigos do conhecimento. Ele surge da emergência de quem tem um vasto conhecimento pericial sobre qualquer matéria, tem consciência que a domina com mestria e essa perceção oferece-lhe uma ideia de poder, quase de omnipotência, que aos seus olhos legitima todas as suas decisões, mesmo aquelas que atingem a vida de outras pessoas. Podemos ver a materialização deste perigo nos episódios mais dramáticos da História da Humanidade. No nosso tempo, tempo da informação e do conhecimento, esta arrogância de quem detém conhecimento é visível em todas as esferas e em todos os níveis. Desde o simples licenciado que no dia a seguir ao exame de júri de mestrado ou doutoramento deixa de cumprimentar os seus (ex-?) pares com a mesma familiaridade e faz questão de demonstrar nas palavras e nos atos que a partir daí ele/a é “melhor”, a representantes políticos que quando indagados sobre a justiça de uma decisão respondem: “nunca tenho dúvidas, e raramente me engano”… Atualmente os portugueses sentem todos os dias “o Complexo de Deus “ em todas as esferas da vida pública, sobretudo na política. Por todos os lados pululam “iluminados” que não admitem outras opiniões. Eles têm uma “fé” indubitável, uma crença dogmática nas suas certezas. Eles é que sabem! Cristalizam nessa certeza e só vêm a realidade com esses óculos, pensando sobranceiramente que todos os outros são cegos. "Eu vejo o “Complexo de Deus” em torno de mim, o tempo todo, nos meus colegas economistas. Eu vejo isso nos nossos líderes empresariais. Eu vejo isso nos políticos em que votamos. Pessoas que, em face de um mundo incrivelmente complicado, no entanto, estão absolutamente convencidos de que só eles entendem a forma como o mundo funciona "diz Tim Hartford na referida palestra. Numa sociedade onde o social deu lugar ao financeiro, os políticos e os economistas com “complexo de Deus” estão a formar “seitas pseudo- religiosas “ que, como todas, tem sempre os seus fiéis (e acríticos) seguidores. Porque o mal não está no conhecimento está no suporte ideológico que o sustenta e a consciência ética e moral de quem o detém. Porque se quem sabe muito consegue ver, para além da sua autoestima narcisista, aquilo a que Sócrates chamou de “douta ignorância “ ou seja, que o muito que sabe é apenas uma aproximação maior ao muito que ainda há para saber. Na minha vida profissional conheci (conheço) e contactei com muitas pessoas que confundem conhecimento com sabedoria e esta perceção levou-me temer aumentar até a minha formação académica pois recava soçobrar à tentação narcisista de começar andar em “pontas de pés”. No entanto, foi retornando à faculdade que pude constatar que também há pessoas extramente conhecedoras que se pode admirar não só pela sua grandeza intelectual mas também pelo caráter empático com que partilham o seu saber. Pessoas que não sabem apenas para si e por si, mas também de si para os outros. Porque o conhecimento não dá caráter a uma pessoa. Pessoas que se realizam quando vêm o seu conhecimento ao serviço de um projeto que pretende melhorar a vida de todos e não ao seu serviço para melhorar apenas a sua vida. O conhecimento burila e aperfeiçoa o caráter que já está lá. O conhecimento não dá a um individuo um sentido de missão, oferece-lhe uma ferramenta extraordinária para a levar a cabo. Estas pessoas não têm “complexo de Deus”, elas são abençoadas. Maria do Céu Roldão Gaspar, Belchior e Baltasar fazem parte do nosso imaginário desde a infância e parecem continuar a ser, para os miúdos do digital, atrações fascinantes do grande teatro que se recria em cada ano no presépio. E todavia a referência estes personagens, vindos da Arábia atrás de uma estrela para adorar um menino carregado de esperanças, ocupa umas escassas linhas no Evangelho de Mateus: «Entrando na casa, viram o menino, com Maria sua mãe. Prostrando-se, o adoraram; e abrindo os seus tesouros, entregaram-lhe suas ofertas: ouro, incenso e mirra. Sendo por divina advertência prevenidos em sonho a não voltarem à presença de Herodes, regressaram por outro caminho a sua terra.» (Mateus 2:11-12). Mas estas figuras lendárias transportam com eles uma carga simbólica que vai para além do ouro do incenso e da mirra. Trazem com eles todo o exotismo de mundos diferentes e longínquos – os camelos, as vestes sumptuosas, os turbantes e…a sua própria diferença: do sábio e idoso Gaspar ao negro Baltasar. E também uma sabedoria que se lhes atribui um pouco ao acaso (talvez a história tenha nascido de um grupo de astrólogos orientais que nem eram reis..) mas que simboliza uma ideia da universalidade do conhecimento – e das fés – para além dos muitos povos escolhidos que s diferentes religiões têm sucessivamente delimitado ao longo dos tempos. Como que símbolos da proclamada ecumenicidade do cristianismo – um lugar maior da sua diferença - que se jogava desde o primeiro momento da natividade. Os nossos filhos e netos continuam a extasiar-se com a pompa, o exotismo e a altivez daqueles reis, misto de sábios e de mágicos, Magos, que caminham atrás de uma estrela e se ajoelham para oferecer a um bébé pobre e cheio de frio as suas sumptuosas e simbólicas oferendas. Em torno destas figuras desenvolveram-se inúmeras representações, na Iluminura, , na pintura, na ficção, que chegaram até aos nossos dias. Nesta fase da minha vida, em que me encontro muito seduzida pelas releituras, retomei – e estou nesse processo – a leitura de “Gaspar, Baltazar e Belchior” de Michel Tournier, já publicado há alguns anos ( é de 1992 a minha edição, da D. Quixote). E redescubro com deleite a recriação livre que este escritor, de que muito gosto, faz da personagem que vive em cada um dos reis, cada um torturado pelos seus demónios – o poder, a sabedoria a, a negritude. Abre assim o capítulo que dá voz a Belchior: “Sou negro, mas sou rei”. E este rei negro, cumulado de riqueza e poder, sofre a tortura de um amor rejeitado, na figura da escrava branca que ele ama apaixonadamemte, que com ele dorme, porque a isso não pode recusar-se. E eis o sofrimento do homem, dentro da realeza e da negritude - rei negro em dor, confrontado com a rejeição impenetrável da escrava, que obedece, mas manifesta a sua recusa, em silêncio, vomitando em cada noite, após o amor...E assim vai o autor tecendo o drama dos personagens e as suas tramas, com uma escrita não genial, mas muito expressiva, carregada de uma narratividade que nos prende. Mas o que mais me atrai neste livro revisitado - ainda lá não cheguei, mas antecipo…esse é um dos prazeres da releitura… – é a figura fascinante de Taor, o 4ª Rei Mago. Taor, como os outros, pôs-se a caminho naquele inverno frio, seguindo a estrela em busca da mensagem divina. Mas Taor é um pouco imaturo…Muito guloso, delicia-se com tudo o que seja doce e fascina-se facilmente com pequenos eventos, distrai-se com tudo o que se passa à sua volta. De distração em distração acaba por se desorientar e afasta-se da direção da estrela. Contudo, prossegue a busca. E à medida que a viagem continua, eis que o homem que ele é não sabe - ou talvez não queira - resistir ao chamamento da vida que pulula em seu redor e se atravessa constantemente no caminho. E Taor perde-se, já não pela irrequietude inicial, mas por se envolver num sem número de experiências, de percursos divergentes, de resposta a apelos, de paixões, de sofrimentos, que vão enchendo os anos longos e ricos da sua viagem, perdido o rumo da estrela de Belém. Metáfora brilhante de quem, como quase todos nós, percorre, a vida em busca de algo que a transcenda, mas que só no quotidiano dos dias, no olhar e no ouvir, no viver, sofrer, amar, no grande teatro do mundo, vai encontrar a única transcendência possível – a do humano. Taor vem a encontrar-se com Jesus . No Gólgota, na tarde da crucificação. 1. O professor desempenham um papel central na transformação das práticas educativas e na melhoria dos processos e resultados do ensino. 2. As condições de trabalho são um fator determinante em qualquer processo de mudança. Uma mudança efetiva das práticas passa necessariamente pela melhoria dessas condições: ratio professor/alunos, espaços físicos letivos, espaços para trabalho colaborativo, recursos didáticos, sistemas de escuta/comunicação, dispositivos de implicação/valorização, tempo para trabalho coletivo são algumas condições de trabalho que urge equacionar. 3. Qualquer projeto de mudança é objeto de uma interpretação por parte de cada professor. O sentido que o professor lhe atribui(e que determina, em grande parte, a sua postura face à mudança)decorre de três critérios básicos: instrumentalidade, congruência e custo. (Vandenberghe): 3.1. Critério de instrumentalidade: a mudança proposta /decretada explica claramente os princípios, os processos e os resultados? O projeto mostra claramente o que o professor deverá fazer e é praticável? 3.2. Critério de congruência: a mudança proposta/decretada responde parcialmente a uma necessidade? Os alunos estarão interessados? Vão aprender mais? O projeto ajusta-se às condições estruturais de trabalho? É compatível com a imagem que o professor tem de si mesmo? 3.3. Critério de custo: de que modo a mudança afetará pessoalmente o professor, em termos de tempo, energia, novas qualificações, exigências acrescidas? Que esforços acrescidos serão necessários? Que tipo de recompensa (material, simbólica...) receberá o professor? 4. A mudança é realizada pelas pessoas. As suas satisfações, frustrações, preocupações, motivações e perceções pessoais desempenham um papel central no sucesso/insucesso das inovações que se querem instituir. Daqui decorre que a pessoa do professor deve estar no centro das preocupações/intervenções, sendo aconselhável trabalhar pessoalmente com os professores para os fazer compreender o seu papel no processo de transformação. 5. Neste contexto, só uma prática de escuta, de proximidade, de apoio efetivo, de reconhecimento, de valorização, de criação de melhores condições de trabalho pode augurar o sucesso de qualquer mudança que se queira ver concretizada. (inicialmente publicado no Correio da Educação) José Matias Alves Fascinante frequentar a escola? O meu aluno Tiago diz que não. A maior parte das aulas são seca e, as que o não são, acabam estragadas pelos colegas de turma que só fazem barulho. E depois, diz ele, é tudo muito lento, muito repetido, não se avança. De repente, aparece uma questão verdadeiramente importante, mas não se aprofunda. Fica-se pela rama. “Pensava que ia fazer uma descoberta e desemboco num lugar-comum”. O que é que para ele seria fascinante? Uma escola que misturasse 3 palavras: múltipla, fluida, desafiante. Múltipla, nas possibilidades de escolha em vez dos carreiros obrigatórios que conduzem a quadrados alinhados. Fluida, numa interconectividade semelhante à proporcionada via online. Desafiante, em propostas mais parecidas com o trabalho a sério do que com exercícios escolares. Olho para o Tiago, a pensar em tudo o que separa as nossas gerações. Ele nos seus 15 anos e eu nos 60. A geografia da minha adolescência desenhava-se rapidamente numas poucas ruas da minha cidade, na linha de caminho de ferro até ao Porto, na praia de Espinho, no verão. No dizer de Michel Serres, é uma geometria métrica, de centralidades e de distâncias. Porém, o Tiago acede à velocidade da luz, a todos os lugares físicos ou imaginados. A tal ponto, que uma vez comentava comigo: “a rapidez do automóvel? É mas é enervante. Já viu o tempo absurdo que se demora a percorrer uma distância !!! Ora uma pessoa pensa e está lá imediatamente. Assim é que devia ser: não esta lentidão imposta pela realidade física. É como se eu tivesse de viver num mundo que não é o meu!”. Eu nem encontrei o que dizer. Não é só a geografia que é completamente diferente. No livrinho “La Petite Poucette”, de 2012, Michel Serres aponta as novidades do mundo de hoje como uma revolução profundíssima, equivalente à de Guttenberg: as novas tecnologias não só permitem um acesso universal aos lugares, com o GPS e o Google Earth, aos saberes, com a Wikipedia, às pessoas com o Facebook, como também ativam, no cérebro, novas capacidades cognitivas e imaginativas. Os jovens de hoje estão equipados com ferramentas extraordinariamente potentes de acesso e troca de informação e opinião. Há possibilidades novas e variadas para fazer ouvir a sua voz, construir projetos, avançar com ideias novas. Corresponderá este acesso a uma verdadeira emancipação? Tal não está assegurado. As máquinas poderosas que os jovens manipulam de forma tão extraordinária tornam-nos mais ou menos capazes? Porque o avanço tecnológico pode conduzir a incapacitação ou mesmo alienação. Foi o que aconteceu com a proletarização industrial do século XIX que, desapossando o trabalhador do seu saber fazer, o transformou no operador de uma máquina estranha que lhe rouba a individualidade. O que é que se ganha? O que é que se perde? Quando vamos ainda na infância da expansão do online, os jovens já estão formatados pelos medias que “lhes destruíram meticulosamente a faculdade de atenção ao reduzirem a duração das imagens a 7 segundos e o tempo de resposta a perguntas a 15. Nos ecrãs, a palavra mais vezes repetida é morte e a imagem mais exibida a de cadáveres”. Isto, segundo ainda Michel Serres, que avança números oficiais. Esta constatação não augura nada de bom. Os funcionários das empresas high-tech de Silicon Valley gastam fortunas para que os filhos frequentem escolas sem conexão internet. Estão bem conscientes dos riscos de dispersão e de adição que o computador transporta consigo. “ A indústria do digital é planetária e está orientada, em primeiro lugar, para o consumo desenfreado de produtos – muitos deles “culturais” – com um marketing agressivo e aditivo que visa a captação e o controle cada vez mais fino das consciências e dos desejos individuais”. A escola poderia ter um papel essencial na criação das condições e relações sociais para que o uso das novas tecnologias se tornasse emancipatório. Precisaria porém de funcionamentos de cidadania em que todos fossemos produtores, em vez de sentar os alunos em cadeiras no seu papel (mais uma vez) de consumidores passivos. Qual é a participação do aluno na construção da vida da escola, onde passa tantas horas? De que modo é integrado no esforço comum de inventar lugares e laços que permitem que todos estejamos mais presentes, mais atentos, mais disponíveis? É incrível como arredamos os alunos do trabalho, isto é: da construção do mundo, ao pretender protegê-los para que pudessem estudar. Hoje, em Portugal, a criança é um objeto de luxo, inútil e frágil, envolto em algodão, ao abrigo da realidade. Pudesse a criança escolher: não fugiria do algodão para correr todos os riscos que lhe são devidos num mundo de verdade? A visão de uma sociedade que – a corresponder ao que se pronuncia – será a de indivíduos atuantes, sem o espartilho dos aparelhos ou dos antigos grupos de pertença é potentemente transformadora dos papeis do professor, da escola, da educação. O que pode ser fascinante, não só para o Tiago e os colegas, mas também para nós, professores, é o comprometimento na construção duma sociedade nova que está a nascer. Começando por construi-la dentro da escola. Uma sociedade de funcionamentos democráticos, intervenientes e construtivos. Com a assunção de todos os riscos que tal implica. Nos últimos anos, parece que nós, professores, nos sujeitamos a procedimentos muito burocraticamente conformes, para nos sentirmos protegidos. Mas daí resulta que não nos revemos no nosso trabalho, tão pobre é a marca pessoal que lá deixamos. A nossa proteção é a nossa morte! Na vida das escolas, dentro e fora da sala de aula há falta de épico. A adolescência precisa de épico, essa confiança desmedida e irracional na sua capacidade de fazer o mundo. Em vez disso, rotinas anestesiantes que se substituem ao exercício livre do discernimento e da decisão. Ninguém gosta de trabalhar com objetivos impostos. Nós não gostamos, os alunos também não! Dentro e fora da sala de aula, é preciso que os objetivos sejam construídos coletivamente. Com o tipo de jovens que hoje está nas escolas, se nos pusermos a trabalhar com eles, ombro a ombro, não podemos saber que escola surgirá, mas adivinho-a MÚLTIPLA, FLUÍDA, DESAFIANTE. Como queria o Tiago. Manuela Gama 15 de Janeiro de 2014 |
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AutorDiplomados e alunos da Católica Porto Educação Arquivos
August 2017
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