Como todos os contratos, também este estabelece responsabilidades específicas. As partes contractuantes abdicam de parte da sua liberdade para assegurar bens maiores. O Estado abdica de um poder absoluto e autoritário trocando-o por um exercício de poder democrático que se renova em cada ato eleitoral. Os cidadãos abdicam de parte da sua liberdade natural em favor da garantia da proteção dos seus direitos civis e sociais. Nesta perspetiva a democracia é um regime político em que todos perdem alguma coisa para assegurar que todos ganhem. Assim, quando aceita que há limites para a sua liberdade de decisão, o cidadão assume como assegurado que, em troca, é esclarecido das decisões de quem mandatou para o fazer. Esta assunção está implícita no “contrato social”.
Péricles afirmava frequentemente: “temo mais os nossos erros que os planos dos nossos inimigos” para mostrar que são as falhas na tomada de decisão que comprometem a sua eficácia e não o seus detratores. Ele percebia que todas as medidas a implementar devem ser apresentadas de forma transparente, com uma base reflexiva que permita, senão a aceitação pacífica da sua eventual bonomia, pelo menos a compreensão de que, mesmo discordando das medidas, seja possível perceber a sua utilidade e eficácia.
Mostrar, demonstrar, explicar, debater, argumentar são os instrumentos de um Estado democrático e decidir depois, a sua prerrogativa.
Estas notas reflexivas decorrem da necessidade que sinto em formar uma opinião sobre um tema em agenda que tem (terá?) efeitos na Educação em Portugal: a chamada municipalização do ensino.
Sobre este tema ainda não tenho opinião. E eu não gosto de não ter opinião.
Esta deve ser forjada num percurso deliberativo onde sejam analisados os “prós” e os “contras” de uma determinada situação-problema. Alimentar este exercício reflexivo na literatura sobre o assunto ou em posições avulsas de ambos os lados da questão é útil mas, nitidamente, insuficiente. Para defender uma opinião, que não seja cristalizada em terreno pantanoso, necessito de um chão construído pelo que fica depois da análise, do debate e da reflexão.
A minha implicação (a de todos) num projeto inovador depende, e não em pequena parte, de perceber o que se pretende atingir, como lá chegar e sobretudo dos mapas e veículos que nos disponibilizam para a viagem.
É, pois, fundamental que nas escolas, nos meios de comunicação social, nas assembleias das autarquias se discuta, abertamente, um assunto tão importante para os seus atores, para o País.
Um debate que chame à reflexão aqueles cuja opinião é uma mais- valia nos contributos que adicionam à discussão. Aqueles que, independentemente de serem a favor ou contrários à municipalização do ensino, estão dispostos a contribuir para a construção de uma base de sustentação de um ou mais projetos que visem melhorar o ensino em Portugal.
Para estes debates estão dispensados todos os comentadores de bancada que falem da escola como se nunca lá tivessem entrado de tal forma se distanciam da sua realidade. Comentadores que falam de como o ensino deve ser, quando há muito não sabem como a escola é. Porque só se constrói um futuro promissor a partir de um diagnóstico do que se tem hoje. E a eficácia deste depende muito de uma introspeção conhecedora do sistema educativo e não de uma visão periférica de quem fala da escola “por ouvir falar” ou tem da escola uma visão filtrada ideologicamente.
É para garantir este debate (todos os debates) que de quatro em quatro anos renovamos o nosso “compromisso social” com o Estado através do voto.
Com o voto abdicamos de parte da nossa liberdade para garantir que todos os direitos sejam salvaguardados, inclusive o direito a ser esclarecidos sobre medidas que interferem no exercício de funções estruturantes do Estado como é a educação.
Porque se o debate sobre a coisa pública e a sua administração não acontecer o tal compromisso social é um “mau negócio”.
E eu acredito, piamente, que a democracia é o melhor dos “negócios “ políticos.
Ana Paula Silva