Le Corbusier
Por estes dias, ao folhear as páginas de um livro[1], surgiu um título que me suscitou curiosidade: “Janelas já não se usam”. Com efeito, se olharmos para a tendência arquitetónica moderna, verificamos que as janelas foram substituídas por grandes aberturas que ocupam toda a parede da casa. Temos assim a sensação do controlo visual de todo o mundo que temos lá fora, como se pudéssemos abraçar toda a realidade sem que nada nos escape.
De facto, o mundo não parece caber na nossa janela e os tempos em que vivemos lançam-nos no tudo querer apreender e saber, como se pudéssemos dominar a própria realidade. Perdeu-se a janela que nos configurava o mundo para se ganhar a ilusão do mundo. Perdeu-se o enquadramento da realidade, a noção da perspetiva, o vislumbrar de outros horizontes. Ao pretendermos usufruir da quimera do controlo total, desperdiçamos a nossa capacidade de eleger aquelas partes do mundo que nos compete enquadrar. O autor concluía: “Precisamos de janelas que nos revelem mais Vida. Enquadrar ajuda-nos a tudo isto: direcionar o olhar, a estar atento àquela pequena parte que faz parte de um todo, de que eu também faço parte. Há que procurar construir a janela à justa medida, nem pequena demais, nem exageradamente grande, deve ser simplesmente grande “tanto quanto” necessária… E se para chegar ao Outro for preciso abrir mais a nossa janela, então rasguemos as paredes. Mas cuidado, não fiquemos fechados atrás da janela, naquela que é a nossa zona de conforto, porque a vida, essa, também se faz lá fora!”
Não pude deixar de sorrir! A imagem da janela que já não se usa lembrou-me a escola e a responsabilidade do ato de educar. Com efeito, a escola é uma janela para o mundo. Através de vidraças quadrangulares ou retangulares, o mundo vai sendo projetado para o aluno. Por vezes, recorrendo a cortinas, para proteger da luz intensa, outras vezes, de janela aberta, para que entre uma brisa fresquinha. Mas sempre com janelas! É essencial que o mundo seja mostrado ao aluno na medida justa: tendo em conta a sua especificidade e de acordo com as suas necessidades. A ideia de perspetiva é fundamental para que ele se reconheça enquanto cidadão do mundo. O mundo é muito grande e não se consegue, efetivamente, abraçá-lo por inteiro. Somos apenas uma ínfima parte de um todo e é essencial o reconhecimento da ideia da relatividade.
E, claramente, esta justa medida de janela é da responsabilidade do professor. E, claramente, logo aqui se coloca a dificuldade: a de saber encontrar a justa medida. A amplitude do adjetivo justo varia de acordo com a razoabilidade do sujeito que o utiliza. De facto, o que para mim é justo, adequado, pode não o ser aos olhos do outro. E logo aqui pode surgir um conflito. No campo da educação, há que ter esse cuidado especial, pois deverá ser aquele um terreno fértil, de cultivo, no qual os conflitos terão de ser mitigados e devidamente amenizados. As pedras, as ervas daninhas, ainda que inevitáveis, deverão ser aliviadas por parte do cuidador. Surge assim a figura do educador enquanto mondadeiro, aquele que corta os ramos que estão a estorvar ou que já secaram; aquele que poda ou desmoita plantas ou frutos que, por existiram de forma excessiva, se prejudicam entre si; aquele que livra ou liberta daquilo que é nocivo ou fútil. E qualquer uma destas ações requer, por base, a “justa medida”.
Na aritmética, a lógica que ali predomina parece tornar tudo mais fácil. De facto, segundo Aristóteles, “[…] se dez é muito e dois é pouco, seis é o meio-termo, considerado em relação ao objeto, pois este justo meio excede e é excedido por uma quantidade igual; este é o justo meio de acordo com uma proporção aritmética.” [2] Mas este mesmo autor acrescenta ainda: […] “Mas o justo meio em relação a nós não deve ser considerado de maneira idêntica. [...] Sendo assim, um mestre em qualquer arte evita o excesso e a falta, buscando e preferindo o justo meio - o justo meio não em relação ao próprio objeto, mas em relação a nós. [...] Estou falando da virtude, pois é esta que se relaciona com as emoções e ações, e nestas há excesso, falta e justa medida. […]”. Com efeito, também na arte do ensino, que se relaciona por entre emoções e ações, importa evitar o excesso e a falta, procurando a virtude. Deveria também ser ensinado ao professor como fazer janelas.
Duas perguntas para nós, educadores: qual a minha virtude? Que janelas faço eu?
Janelas usam-se, sim!
Paula Pessoa
29 de dezembro de 2013
[1] Valério, A. & Archer, J. A. (2013). Leve Deus no Coração. Oficina do Livro.
[2] Ross, D. (1984). Aristotle: Nicomachean Ethics, in Barnes, J. (edd.), The Complete Works of Aristotle (The Revised Oxford Translation), Oxford: Oxford University Press.