O que sentes, tu, professor, quando ninguém se importa com astuas dúvidas, com as tuas dores físicas ou sentimentais, quando tens de dizer bom dia vamos então lá a lição número 55, o sumário é os sistemas lineares em ambientes caóticos, e quase ninguém escreve, quase ninguém liga, falam para o lado e para trás e a tua alma sangra e no teu peito bate um coração aflito, quase desesperado e exangue, quando tens de sorrir mesmo quando te apetece chorar, quando tens de encarcerar todos os teus sentimentos e apenas se te permite que sejas a máquina pensante, a máquina que ensina, a máquina. Quando tens de requerer a dispensa da prova de 'conhecimentos' se quiseres ser dispensado de a realizar, se há mais de 5 anos andas a correr de escola em escola e te humilhas face à máquina e à ordem social, tu que afinal até pedes a dispensa da prestação de contas, tu que tens de aguentar com todo o mal do mundo, porque é o agente de estado, o 007, o superhomem e supermulher que tem a obrigação moral de salvar o mundo.
O que sentes, tu, aluno, quando o professor faz o ditado da matéria e tu nada entendes, quando és humilhado de mil e uma formas, quando tens uma nota que não corresponde ao teu saber, quando a tua princesa encantada voou dos teus olhos e foi morar para longe de ti, ou quando o amor lateja intensamente e tem de ficar preso numa impossibilidade, quando o professor tem de dar o programa todo e tu te ficas apenas pela metade. O que sentes quando a pura lógica burocrática e racional, formal e vazia se mostra distante face a um apelo lancinante. O que sentes quando vês os 115 000 jovens que tiveram de emigrar para buscar o 'pão que o diabo amassou', quando vês claramente visto que a escola hoje já não dá qualquer certeza-
Triste é este mundo dos sistemas, triste é este sistema máquina, triste é esta vida desumana, triste é esta separação, esta alienação. Esta desesperança. Sem luz no fundo do túnel. E isto mereceria mil manifestos, mil denúncias, mil protestos. Ou um 'ensaio sobre a cegueira', ou um 'ensaio sobre a lucidez'. Mas nem isso temos já. Resta-nos pensar, agitar, acordar. Agir e interagir para construirmos outros pequenos mundos. Habitáveis. Humanos.
José Matias Alves