Hoje retomo o tema escrevendo no feminino. Também para lembrar que a fadiga é hoje provavelmente maior (e a descrença, a desilusão, a indiferença, o esgotamento...). Para lembrar a necessidade do reconhecimento público, do forte apoio das famí-lias, das comunidades e dos poderes locais. Para lembrar que a missão da escola só é hoje possível num quadro de maior inserção territorial e de maior responsabilidade das outras instituições locais.
Sentem-se sós, as heroínas. As milhares de professoras que não desistem de inventar dias mais luminosos. Sentem-se desconsideradas e maltratadas porque se confunde a árvore com a floresta. Porque são os maus exemplos que justificam as medidas iníquas e universais de tamanho único. Porque se deixou instalar a ideia de que ganham muito e trabalham pouco. Porque a política educativa as elegeu como bode expiatório dos desastres. Porque, porque.
As palavras do sociólogo Pierre Bourdieu, escritas em 1986, são hoje, passados quase 30 anos, particularmente atuais e relevantes: "ensinar não é uma actividade como as outras. Poucas profissões serão causa de riscos tão graves como os que os maus professores fazem correr aos alunos que lhe são confiados. Poucas profissões supõem tantas virtudes, generosidade, dedicação e, acima de tudo, talvez entusiasmo e desinteresse. Só uma política inspirada pela preocupação de atrair e de promover os melhores, esses homens e mulheres de qualidade que todos os sistemas de educação sempre celebraram, poderá fazer do ofício de educar a juventude o que ele deveria ser: o primeiro de todos os ofícios."
Seria bom que os nossos governantes o soubessem e praticassem. E que abandonassem as cegas políticas igualita-ristas que, muitas vezes, são profundamente injustas. Que abandonassem as políticas do comando e do controlo, do congelamento das aspirações, da desautorização recorrente, das agregações que veem destruindo a possibilidade da escola, da obsessão da medida. E que vão acabando por liquidar o ânimo dos resistentes e nos conduzir para um abismo donde vai ser muito difícil sair.
José Matias Alves
(texto inicialmente publicado no ' Correio da Educação', reescrito)