O ano de 2013 foi marcado por um conjunto de alterações, algumas das quais em passo acelerado, que produziram impacto nas organizações escolares e deixam marcas para os próximos anos. Entre elas, destaco cinco, embora reconheça que o conjunto de opções pudesse ser diverso. Eis o segundo tópico: autonomia das escolas.
A palavra “autonomia” deve estar entre as mais escritas nos preâmbulos de diplomas legais relativos à educação publicados nos últimos vinte anos. Coloquemos de parte, por agora, o facto de serem múltiplas as apropriações que os seus “defensores” foram assumindo. No ano de 2013, o número de contratos de autonomia de escolas e de agrupamentos assinados até novembro, cento e quatro (com a previsão de mais cerca de sessenta até final do ano), superou amplamente o total de contratos assinados nos seis anos precedentes: quarenta e cinco. Desta forma, passa a ser “autónoma” uma em cada quatro das oitocentas e onze unidades organizacionais de Portugal Continental.
Não obstante a ideia, aparentemente consensualizada, de que uma contratualização de autonomia não constitui o objetivo final, mas apenas um meio para melhorar a prestação do serviço educativo, surgiram interrogações sobre o alcance e a generosidade da medida. Creio, porém, que não será legítimo que esta última seja colocada em causa, mesmo quando alguns afirmam que “esta é uma autonomia sem competências atribuídas às escolas”. David Justino, Presidente do Conselho Nacional de Educação, defende que “a autonomia exige conhecimento e confiança”, num contexto em que as escolas são regularmente colocadas “sob suspeita”. O processo surge, assim, como uma oportunidade e contributo para estabelecer ou fortalecer a necessária confiança social no trabalho das escolas.
Existem, porém, alguns paradoxos no processo, dos quais destacarei apenas um: as mudanças continuam a efetuar-se em sentido “top-down”, mas surgem em paralelo com discursos de encorajamento de iniciativa comunitária, participação e autonomia. Esse aspeto não coloca em causa as margens de transformação positiva de um “líder” escolar? Tal refere Ron Glatter, [i] “As pessoas generalizam, muitas vezes, relativamente à liderança eficaz das escolas, sem tomarem em consideração as estruturas específicas da política e da governança, no contexto das quais aquela é exercida. Por exemplo, não merece a pena exortar os líderes escolares a actuar de uma maneira transformacional, como agentes de mudança, se depois são submetidos a formas estreitas e constrangidas de prestação de contas que os transformam em pouco mais do que directores de produção”.
As escolas fazem diferença em função da sua organização e focagem pedagógicas, considerando o meio social em que se desenvolve essa ação e as ambições que se propõem concretizar. Neste ponto, a questão que surge é a seguinte: como podem as escolas ultrapassar constrangimentos administrativos de forma a organizar-se para o sucesso educativo? A autonomia da escola poderia, neste caso, constituir um importante instrumento para promover maior coesão social dentro da comunidade, para melhorar gradual e persistentemente as aprendizagens dos alunos, para enriquecer cultural e identitariamente o indivíduo e o coletivo. Para que tal seja possível, torna-se necessário que à escola seja proporcionada, entre outras, competência para a organização e gestão pedagógicas, organização dos tempos escolares e das atividades de enriquecimento curricular, formação dos seus profissionais e definição da equipa de gestão. Uma assunção de autonomia implica a adoção de lideranças nas escolas que tenham efeitos positivos nos resultados dos alunos.
Restará, ainda, saber que tipo de equilíbrio haverá entre a autonomia, a prestação de contas e os efeitos desta.
Como se percebe, a autonomia é muito mais simples de enunciar do que de concretizar.
[i] Glatter, R. (2008), Schools and schools systems facing complexity: organizational challenges, in “As Escolas Face a Novos Desafios”, Lisboa, Inspecção-Geral de Educação.