É na Grécia que situo o mar infindável de Sophia. São da Grécia os cheiros, os sabores e a luz que me fazem saber que sou do Sul. Desta Europa multifacetada na sua construção, mas que acendeu no Sul algumas das luzes maiores da sua história . nomeadamente a ideia mesma da democracia, ou o princípio extraordinário da pedagogia. Por acasos da minha vida jovem, estudei um pouco de grego, e, ainda mais estranho, “ensinei-o” em forma repetitiva a meia dúzia de colegas, para o propósito bem limitado de fazerem o exame numa situação em que o padre – o único helenista encartado… - se tinha ido embora…Desse pedacinho modesto da língua me ficou a pequena capacidade de entender algumas das palavras dos discursos, de perceber melhor a origem de muitas palavras, de conseguir ler um título de jornal ateniense, ou de perceber a mágoa com que o Padre Manuel Antunes nos criticava, alunos seus da Faculdade de Letras, por sermos tão pouco capazes de apreciar a beleza inigualável da língua grega…Da Grécia nos fala Chico Buarque nas suas Mulheres de Atenas - que esperam interminavelmente por seus maridos, nobres guerreiros de Atenas…
É pois como se fosse um pouco de lá…Mas a vida já me ensinou que a poesia de tudo isto não faz da Grécia – ou de qualquer outra mítica referência amorosamente construída – uma realidade mágica ou acima das análises mais frias da ciência, da história, da política. Creio pois que o momento atual da vida da Europa, que a Grécia está a protagonizar, não pode ser lido apenas com o meu coração mediterrânico, ou com a minha simpatia pelas posições contestatárias. Que há contradições, cuidados e mediações a fazer, que as relações inter povos neste momento são delicadas, que há que combinar pontos de vista. E estou convicta que se irá encontrar um caminho, não sei é qual.
Mas ninguém me vai retirar a alegria indizível de estar a assistir ao que gosto de chamar o milagre da história: a capacidade infinita e intemporal de, em cada situação, nascer o seu contrário; a impossibilidade de impor regras, supostamente estritas e prescritivas, ao devir humano; a dialética que nasce das vozes que são capazes de se erguer quando tudo e todos lhes aconselham calar e aceitar. Foi assim muitíssimas vezes na história deste mundo pesado que é o nosso. Recordemos como foi muito impopular a (depois saudada..) posição de Churchill quando defendeu a oposição frontal a Hitler. E contudo essa visão salvou a Europa.
A Grécia está hoje a erguer uma voz nova. Inesperada. Um pouco insensata, talvez. Com os erros dela pelo caminho, sim. Mas carregada da verdade da injustiça real inadmissível que as ortodoxias da alta finança mundial trouxeram ao nosso mundo, dito civilizado, onde cada vez mais pessoas ficam indescritivelmente mais pobres, num processo inimaginável de destruição do edifício social, para benefício de alguns. Só por isso já valeu a pena. Alegra-me a ousadia que, seja qual for a saída, não deixará a situação igual. Queiramos ou não, a Europa vai ter de incorporar de alguma forma, um pouco nova, o azul e branco do seu sul – à beira desse mediterrâneo que foi afinal o berço da sua história.
Maria do Céu Roldão