O Economista Tim Harford numa brilhante palestra do TEDGlobal vê no “complexo de Deus” um dos perigos do conhecimento. Mas o conhecimento tem perigos? Todo o conhecimento que não seja reflexivo sobre a sua natureza ética, fundamento, origem e aplicabilidade pode ser potencialmente perigoso. Conhecer não é um mal em si mesmo. Conhecer é sempre enriquecimento. O que se faz com o que se conhece é que o pode tornar bivalente. Porque nem tudo o que o conhecimento pode indicar é eticamente aceitável.
O que Archie Coochrane chamou de “Complexo de Deus” é um dos potenciais perigos do conhecimento. Ele surge da emergência de quem tem um vasto conhecimento pericial sobre qualquer matéria, tem consciência que a domina com mestria e essa perceção oferece-lhe uma ideia de poder, quase de omnipotência, que aos seus olhos legitima todas as suas decisões, mesmo aquelas que atingem a vida de outras pessoas.
Podemos ver a materialização deste perigo nos episódios mais dramáticos da História da Humanidade. No nosso tempo, tempo da informação e do conhecimento, esta arrogância de quem detém conhecimento é visível em todas as esferas e em todos os níveis. Desde o simples licenciado que no dia a seguir ao exame de júri de mestrado ou doutoramento deixa de cumprimentar os seus (ex-?) pares com a mesma familiaridade e faz questão de demonstrar nas palavras e nos atos que a partir daí ele/a é “melhor”, a representantes políticos que quando indagados sobre a justiça de uma decisão respondem: “nunca tenho dúvidas, e raramente me engano”…
Atualmente os portugueses sentem todos os dias “o Complexo de Deus “ em todas as esferas da vida pública, sobretudo na política. Por todos os lados pululam “iluminados” que não admitem outras opiniões. Eles têm uma “fé” indubitável, uma crença dogmática nas suas certezas. Eles é que sabem! Cristalizam nessa certeza e só vêm a realidade com esses óculos, pensando sobranceiramente que todos os outros são cegos.
"Eu vejo o “Complexo de Deus” em torno de mim, o tempo todo, nos meus colegas economistas. Eu vejo isso nos nossos líderes empresariais. Eu vejo isso nos políticos em que votamos. Pessoas que, em face de um mundo incrivelmente complicado, no entanto, estão absolutamente convencidos de que só eles entendem a forma como o mundo funciona "diz Tim Hartford na referida palestra. Numa sociedade onde o social deu lugar ao financeiro, os políticos e os economistas com “complexo de Deus” estão a formar “seitas pseudo- religiosas “ que, como todas, tem sempre os seus fiéis (e acríticos) seguidores.
Porque o mal não está no conhecimento está no suporte ideológico que o sustenta e a consciência ética e moral de quem o detém. Porque se quem sabe muito consegue ver, para além da sua autoestima narcisista, aquilo a que Sócrates chamou de “douta ignorância “ ou seja, que o muito que sabe é apenas uma aproximação maior ao muito que ainda há para saber.
Na minha vida profissional conheci (conheço) e contactei com muitas pessoas que confundem conhecimento com sabedoria e esta perceção levou-me temer aumentar até a minha formação académica pois recava soçobrar à tentação narcisista de começar andar em “pontas de pés”. No entanto, foi retornando à faculdade que pude constatar que também há pessoas extramente conhecedoras que se pode admirar não só pela sua grandeza intelectual mas também pelo caráter empático com que partilham o seu saber. Pessoas que não sabem apenas para si e por si, mas também de si para os outros. Porque o conhecimento não dá caráter a uma pessoa. Pessoas que se realizam quando vêm o seu conhecimento ao serviço de um projeto que pretende melhorar a vida de todos e não ao seu serviço para melhorar apenas a sua vida.
O conhecimento burila e aperfeiçoa o caráter que já está lá. O conhecimento não dá a um individuo um sentido de missão, oferece-lhe uma ferramenta extraordinária para a levar a cabo.
Estas pessoas não têm “complexo de Deus”, elas são abençoadas.