“QUEREMOS FICHAS NOVAS!”
Num questionário aplicado a alunos do 2º ciclo sobre práticas de ensino no agrupamento de escolas que frequentam, colocava-se a seguinte questão:
Na tua opinião, o que poderiam os professores fazer para que os alunos aprendessem mais?
As respostas foram variadas. Uns disseram que gostariam de “fazer atividades mais práticas e interativas”. Outros, que gostariam que os professores explicassem melhor as matérias em que eles têm mais dificuldades. Houve quem dissesse que gostava que os professores fizessem “mais exercícios diferentes para cada aluno, conforme as suas dificuldades” e quem tenha dito que “os professores podiam criar projetos com a matéria que esperam que os alunos aprendam”. E também se expressou a vontade de que os professores tentassem “ajudar nas dificuldades de todos os alunos. Dar atenção a todos os alunos.” Sugestões que apontam para o cansaço face a um modelo escolar que cultiva a passividade dos alunos, a uniformização de procedimentos, a impessoalidade da relação pedagógica e que a todos trata por igual, sendo que todos são diferentes.
Mas estas são as respostas daqueles que, apesar de socializados desde sempre neste modelo escolar, conseguem vislumbrar uma alternativa. E conseguem compreender que poderiam aprender mais com atividades mais diferenciadas, mais colaborativas, mais aliciantes.
Contudo, há um número expressivo de alunos que não consegue ver para além das ‘fichas’ e que pede “mais fichas, para podermos aprender mais”. Há aqueles que ainda ousam pedir fichas novas: “Poderíamos fazer fichas novas em vez de ser sempre do caderno de atividades.”
Preocupante este discurso… Porque retrata a pobreza das práticas que operacionalizam um modelo escolar obsoleto e a aceitação passiva e inquestionada desse mesmo modelo.
Na inevitabilidade aprendida (ao longo de anos e anos) de que as fichas são o modo de ensinar por excelência, se os alunos não conseguem aprender, então… é porque precisam de mais fichas… Porque sempre foi assim: quem não aprende, faz mais do mesmo, até aprender. E se mesmo assim não aprender, reprova. E reprovando, tem a oportunidade de fazer mais fichas (as mesmas, quem sabe…). E se continuar sem aprender, acabará por sair do sistema sem ter aprendido, aceitando-se como natural que haja alunos que aprendem e outros, que não.
Sabemos bem que as fichas fazem parte do quotidiano escolar em praticamente todas as disciplinas. Nada tenho contra as fichas em si mesmas. Mas há questões que me inquietam: Que fichas fazem os alunos? Qual o sentido dessas fichas? Como são construídas? Com que objetivo? Existem por si só, ou fazem parte de uma estratégia mais ampla de ensino? Porque são as mesmas para todos? Porque é que todos têm que as resolver tendencialmente no mesmo tempo? O que aprendem realmente os alunos com estas fichas? Como se monitoriza e avalia a sua eficácia em termos de promoção da aprendizagem? Que alternativas se equacionam?
É urgente repensar o sentido do trabalho escolar. Para que as escolas possam ser mais do que uma sucessão de rotinas quantas vezes estéreis e insensatas. Para que possam ser lugares de aprendizagem para todos e para cada um. Para que possam afirmar-se enquanto espaços de produção e procura ativa do conhecimento, enquanto lugares de desenvolvimento. Mas isto implica:
i. Adequar o modelo escolar à heterogeneidade dos alunos, criando lógicas mais flexíveis de os agrupar, de lhes alocar professores, de organizar os tempos e os espaços escolares, de modo a aumentar as possibilidades de sucesso de todos.
ii. Centrar a organização escolar e os projetos educativos nas aprendizagens, numa ação estratégica concertada, articulada e integrada, capaz de promover a melhoria dos processos e dos resultados educativos.
iii. Repensar os modos de trabalho docente, fomentando lógicas de ação mais colaborativas entre professores, dentro e fora da sala de aula.
iv. Intencionalizar a ação educativa, refletindo sistemática e conjuntamente sobre as práticas de sala de aula, monitorizando e avaliando a sua eficácia.
v. Criar e valorizar oportunidades de desenvolvimento profissional docente alicerçadas em lógicas de formação-ação que permitam aos professores a melhoria contínua das suas práticas.
E, acima de tudo, implica ousar ser autor de um tempo mais respirável por entre a asfixia de tantos dias de uma mesmidão desconcertante nas nossas escolas.