Uma destas noites em que o mês de Agosto se esqueceu de que é um mês de verão e resolveu assumir ares de outono, fui ao cinema. O filme, com o título “Mestres da ilusão” era um daqueles filmes que fazem a minha preferência: os que continuam a “falar “ comigo mesmo, muito, para além do final da sessão.
É um filme sobre magia, sobre mágicos, sobre a capacidade de algumas pessoas em manipular a atenção, em persuadir para fazer para acreditar que o que parece, é.
Uma das pistas de reflexão que me interpelaram mais interessante foi a sugestão implícita de que a magia não está, efetivamente no truque, mas na sofística utilização da palavra. Quando a palavra que nos indica a suposta “verdade” é usada com astúcia, até o mais extraordinário parece evidente.
Os “Mestres da ilusão “ eram, na verdade, mestres da sedução para uma realidade que não existia, mas de que toda a audiência juraria ter testemunhado a evidência. Não eram, mestres de oratória, porque o seu móbil não era convencer da justeza de uma opinião ou ideologia, eram mestres da ilusão porque a palavra era a sua ferramenta para plantar na imaginação de cada pessoa uma prova de que por vezes o não existir é uma forma de existência.
Ao revisitar o filme lembrei-me de um dos mais eloquentes discursos de Górgias, “ O elogio de Helena” onde o sofista compara a palavra com uma droga (pharmakon) dizendo que, dependendo da mestria da sua utilização, da intensidade e frequência do seu uso e sobretudo da intencionalidade de quem a usa, ela pode assumir um carácter curativo, alienante ou mesmo letal. Górgias afirma que a palavra, usada com sabedoria, pode provocar um leque de emoções (positivas e negativas). Pode ser bálsamo ou rastilho. Despertar paixões ou ódios. Pode abrir abismos ou construir pontes. A palavra é a mais poderosa ferramenta com que o homem constrói (ou destrói) a sua humanidade.
Os Sofistas foram os antepassados dos professores. Acredito que o niilismo ético que lhes permitia defender uma qualquer posição ideológica e sua contrária com a mesma veemência e (aparente) convicção, não é caracterizante da classe profissional a que pertenço. Defendo que é uma parte da herança que não devemos reclamar. No entanto, é fundamental estar à altura do legado comunicacional, da mestria oratória dos que abriram a porta ao ensino como profissão.
Nos nossos dias os professores não se podem “dar ao luxo “ de ensinar apenas porque sentem que têm uma missão a cumprir (como Sócrates). Hoje ensinar é um nobre ofício. Mas não devemos esquecer que ensinar é, também, convencer pela palavra. Não é só mostrar, demostrar, apontar, é fazer acreditar. E é aqui é que a ética profissional transforma o legado sofístico num legado extraordinário. O professor não ensina para que o aluno acredite acriticamente numa teoria. Ele ensina para que o aluno acredite que pode(que é capaz) de perceber criticamente essa teoria.
No texto da passada sexta-feira, conclui que só há um caminho para o professor: acreditar que ensinar é(sempre) possível. O filme, de que falei anteriormente, trouxe-me a reflexão de que esse caminho pode ser uma autoestrada se o professor conseguir que aluno acredite que é efetivamente capaz.
A psicologia já demostrou, experimentalmente, a força motivacional do chamado efeito Pigmalião. Quando temos sobre outros (e sobre nós) expectativas muito positivas, as fragilidades são mais facilmente justificadas, pois não são encaradas como obstáculos mas como percalços ocasionais que serão facilmente ultrapassados.
Acreditar faz a diferença. Fazer, pela palavra, que o outro acredite que é capaz, é fazer com que o resultado dessa diferença ganhe um rosto, uma identidade e talvez um futuro.
Em espanhol a palavra “ilusion“ tem mais a ver com acreditar do que com engano, como semanticamente podemos encontrar no léxico português. Se percebermos a capacidade de suscitar ilusão, numa versão mais generosa, como os castelhanos, poderemos afirmar que uma das componentes a incluir na formação de professores seria: ilusionismo oratório. Aprender a usar a palavra como uma ferramenta comunicacional de excelência, que atraí aluno à escola, que fomenta nele a assertividade nas relações interpessoais, que o convoca para o debate cívico, que o prende às diferentes disciplinas, que o compromete com o seu processo de aprendizagem.
Esta nova disciplina será um bom investimento para que a escola possa acolher muitos mais professores “mestres da palavra“ e desmoralizar aqueles professores que se especializaram em ser “mestres da desilusão……”
Ana Paula Silva