A propósito da ciência Carl Sagan afirmou “ que a única verdade absoluta, é que não há verdades absolutas “. É o que eu penso acerca dos exames: “ a única certeza que tenho sobre eles é que não tenho certeza nenhuma”.
Um destes dias uma aluna do ensino superior dizia-me, desoladamente, que num exame de uma determinada cadeira, a resposta a uma das questões estava numa nota de rodapé de um dos livros que suporta teoricamente a cadeira. Neste contexto, ela interrogava-se se havia alguma intenção maquiavélica dos professores, na construção de um enunciado de exame para procurar habilmente aquilo que o aluno não sabe, ao invés de procurar aquilo que, pela relevância, é suposto o aluno saber. Que não, assegurei-lhe. Que a maioria dos exames procura constituir-se como uma peça final da aferição determinista do conhecimento adquirido, num nexo de causalidade do tipo: o conhecimento construído ao logo de um ciclo de ensino encontra a sua decorrência lógica no reconhecimento de um exame. As palavras saíam-me da boca com propriedade… mas sem convicção.
Talvez ao dizê-las pensasse no Gustavo, um aluno meu do 12ºano que há poucos anos era “o menino dos olhos “ da professora de matemática. “É um prazer ensiná-lo,” dizia, repetidamente, a professora de matemática ou “ a matemática para o Gustavo é intuitiva … ele vê e resolve “. O Gustavo fez o exame de matemática e a nota foi 15 valores. A professora não queria acreditar. O Gustavo também não. Requereu o seu exame para perceber. Mas não percebeu. Tinha sido ele a fazê-lo mas não se revia nele. Como poderia ter feito isto, desta maneira? Questionava-se… A outra hipótese que pensou de imediato, era tão evidente que lhe pareceu uma armadilha…e resolveu complicar.
A ideia assustadora (concebida ou interiorizada) que tinha de um exame fez com que o Gustavo confiante tenha dado lugar a um aluno inseguro e nervoso. Pediu desculpa à professora. Sabia que a sua entrada em Medicina estava definitivamente comprometida porque neste caso centésimas não são migalhas, são pedregulhos que impedem a entrada. Disse à professora que embora não “servisse de nada “ para a 1º fase do processo de ingresso (e para a 2º também não…), por ela e sobretudo por ele e por tudo o que tinha conquistado em três anos de estudo empenhado e responsável em todas as disciplinas ele ia repetir o exame.
E lá foi à 2ºfase dos exames Nacionais. Tirou 20. Resolveu requerer de novo este exame. Nem uma correção. Nem um “sinalzinho errado”. Nada. Impoluto. Perfeito. Como suspeitava, a constatação de que o exame tinha sido um “acaso” não impediu, que a porta aberta fosse a de veterinária e não a de medicina como sempre sonhara.
Muitos dizem que sim, que é a única forma justa de nivelar, de impedir favorecimentos, de …….
No meu caso, quanto mais se acomodam no meu “cérebro de professora” histórias como a do Gustavo ou as que vou ouvindo do outro lado da trincheira: a preocupação de uma colega a propósito de reapreciações que tinha feito: “ de todos os testes que revi, só não subi um. Não percebo como, com os critérios definidos e com uma sessão de aferição para corretores, a avaliação dos testes possa ser tão diferente!”, ou de outra colega que fez o “argumentário” para requer a reapreciação de um teste de um aluno, a quem reconhecia muito valor, viu aceite os seus argumentos e a classificação do exame subir 3,5 valores.
Quando centésimas são a baliza que viabiliza ou mata um sonho de carreira… Faz-nos pensar assustadoramente …no acaso.
Ana Paula Silva