Ao passar os olhos pelo Jornal de Negócios da passada sexta-feira deparei-me com o seguinte título de um artigo: “Um rapaz sem jeito para a vida”. Há títulos que lemos quase sem ler. Outros que entram por nós dentro sem pedir licença. Este foi um deles. O que seria isto de não ter jeito para a vida?
Passo à leitura. O artigo discorre sobre um ator português já falecido, traçando o seu perfil: “Personagem teimosamente trágica e poética, quase inverosímil nos nossos dias, foi alguém que não se cumpriu, mas que morreu tentando”.
Inquietaram-me estas palavras. A ideia de “não ter jeito para a vida”. Como se o direito à autorrealização, a uma vida plena e feliz fosse uma questão de jeito, algo que ou se tem, ou não se tem. Como se pudéssemos nascer já condenados pela Biologia e pela Genética ao triste fado de “não nos cumprirmos”. Ou como se a própria vida (por vezes madrasta) tivesse o poder de nos mostrar que não temos jeito para ela.
Ter jeito para a vida só pode significar ser capaz de encontrar nela sentido e significado. Sermos capazes de nos sentirmos úteis, preenchidos, de nos realizarmos enquanto pessoas e cidadãos. E assim sendo, a natureza do ser humano é ter jeito para a vida. Só que há quem nunca o descubra e “morra tentando”…
Lembrei-me da Escola. Lugar onde tive a sorte de poder aprender mais sobre as coisas para as quais tinha jeito. Mas também o lugar onde aprendi a ter jeito para tantas outras coisas que nem sabia que podia fazer… Esse lugar privilegiado para fazer com que as pessoas descubram que têm jeito para a vida.
Recordei as palavras de António Nóvoa, que retomando o pensamento de Olivier Reboul afirma que deve ser ensinado na escola tudo o que une e tudo o que liberta. Tudo o que une, significa “tudo o que integra cada indivíduo num espaço de cultura e de sentidos”. Tudo o que liberta, sendo “tudo o que promove a aquisição do conhecimento, o despertar do espírito científico”. Contudo, Nóvoa acrescenta uma terceira injunção à resposta de Reboul, que se prende com o facto de se dever ensinar na escola “tudo o que torna a vida mais decente”.
Longe de ser a panaceia para todos os males, a Escola pode muito.
Numa altura tão conturbada como a que vivemos atualmente nas nossas escolas, entre revisões curriculares, agrupamentos e reagrupamentos, greves, exames e despachos, que saibamos encontrar o sentido da profissão docente nesse imenso privilégio de podermos elevar as oportunidades de realização do outro, descobrindo talentos, animando vontades e construindo os alicerces para que cada vez mais pessoas descubram o jeito que têm para a vida.
Ilídia Vieira