O verão é favorável à releitura saborosa dos textos que muito amamos. Aconteceu-me assim retomar o meu querido Eça, na que é, para mim, a sua obra maior - Os Maias. Serviu-me de pretexto a iniciativa do Expresso de editar e distribuir em cada sábado uma versão paperback dos Maias, intitulada imaginativamente EÇA AGORA, que consiste numa edição desta obra de Eça em 3 livrinhos, seguidos de mais 3 desenvolvendo uma alegada continuação da história – a partir da famosa corrida final de Carlos da Maia e João da Ega a tentar apanhar o “americano” para chegarem a um jantar… Esta continuação, em diversas narrativas, foi escrita por vários autores contemporâneos. A ideia de“continuar” uma obra por demais completa, perfeita, no sentido etimológico, tem sido alvo de alguma controvérsia e merece-me também muitas dúvidas. Mas escuso-me de opinar neste momento porque, na verdade, ainda não li nenhum dos 3 últimos volumes… Mas já re-devorei os 3 primeiros, a obra original, agora não pesada, solene e ilustrada como a que tenho em casa, mas transportável para a esplanada, a praia ou o jardim, a poder dobrar-se, sublinhar-se, e até levar para a cama… Só por isso estou grata ao Expresso…
Se a ideia de continuar uma narrativa da qualidade, densidade e completude de Os Maias pode questionar-se, já a actualidade do texto, face a esse Portugal que permanece, é inacreditável. Aqui fica uma pérola da implacável crítica queiroziana – para amenizar (ou inquietar?..) as tardes indolentes deste país adormecido:
“Carlos não entendia de finança: mas parecia-lhe que, desse modo, o país ia alegremente e lindamente para a banca-rota (sic).
(…) – A banca-rota é tão certa, as coisas estão tão dispostas para ela – continuava o Cohen - que seria mesmo fácil a qualquer, em dois ou três anos, fazer falir o país…
Ega gritou sofregamente pela receita. Simplesmente isto: manter uma agitação revolucionária constante; nas vésperas de se lançarem os empréstimos haver duzentos maganões decididos que caíssem à pancada na Municipal e quebrassem os candeeiros com vivas à República; telegrafar isto em letras bem gordas para os jornais de Paris, de Londres (…); assustar os mercados, assustar o brasileiro, e a banca-rota estalava.
Instado a argumentar sobre o risco que tal situação geraria, nomeadamente o da hipotética “salvação” pela invasão por outro país (no caso a Espanha), Ega continua, inflamado:
(A salvação do país estaria) nisto: no ressuscitar do espírito público e do génio português! Sovados, humilhados, arrasados, escalavrados, tínhamos de fazer um esforço desesperado para viver. E em que bela situação nos achávamos! (…) porque tudo desaparecia, estávamos novos em folha, limpos, escarolados, como se nunca tivéssemos servido. E recomeçava-se uma história nova, um novo Portugal sério, inteligente, forte e decente (...). Meninos, nada regenera uma nação como uma medonha tareia... Oh! Deus de Ourique, manda-nos o castelhano! E você, Cohen, passe-me o St. Emilion.”
Maria do Céu Roldão