Tenho andado às voltas comigo própria na tentativa de perceber por que razão subterrânea esta pergunta inicial e legítima da rede em que neste momento escrevo me causa, todos os dias, um certo desconforto… Tentei o inglês “What’ s in your mind?”... E a coisa não se desvanece…Descobri entretanto alguns outros companheiros de desconforto, mas também pouco esclarecedores…. O facebook não nos obriga a nada ao perguntar, e só escrevemos porque e quando queremos.
E contudo… Esta surpresa um pouco defensiva com que reajo à inocente pergunta tem certo ar de família com a minha reação, por vezes intempestiva, quando, por telefone ou mail, sou pressionada a expressar-me sobre as maravilhas de um crédito, ou sobre a minha análise do servidor de rede que acabei de trocar e porquê, – sem que eu o queira ou deva explicar seja a quem for…- ou quando no meio da rua alguém me pede para falar sobre a bondade de uma religião ou produto (como se fosse tudo aterradoramente igual…) e, negando-me, sou intimada a dizer porque cometo tal vilania…ou quando sou invetivada por não querer – pasme-se!... – conhecer a última maneira de obter pontos, descontos ou cartões!....que obviamente devia desejar e acarinhar num tempo tão difícil.
Entrei então numa tentativa introspetiva bem-intencionada, após alguma reflexão sobre esta estranheza de mim. Na verdade o que sinto é talvez e sobretudo um impulso defensivo – e saudável - do meu direito absoluto à privacidade. Sobretudo à privacidade do pensamento, daquele pensar mais íntimo que flui continuamente, a que Wiliam James chamou a corrente da consciência, e que nem sempre queremos divulgar no espaço público. Felizmente. Porque essa corrente incontrolada do nosso pensar é uma espécie do eu interior que se desnuda só para si e para quem escolhe, que nem o próprio conhece muito bem, muito menos controla; que pode ser insensato ou contraditório, misterioso ou inconveniente, gratuito ou profundo; que se vê num espelho e às vezes se ri de si, outras se chora e lamenta por qualquer ninharia, que não tem vontade, nem obrigação, de se contar… E que quer e deve preservar a intimidade do seu pensar. Estaremos talvez perante sinais da crucial dialética do espaço público e do espaço privado, fronteira frágil e ameaçada das sociedades pós modernas e pós mediatização total.
O que raramente se pergunta aos cidadãos é o que pensam sobre. Sobre tudo o que tudo isto significa. O que penso e quero para este mundo que me incentiva à leveza insustentável da futilidade, ou ao vazio da pseudo-comunicação ensurdecedora, ou à exposição que não quero fazer do que vai no meu íntimo…. Apelo a que pensemos sobre. E expressemos, sim, esse pensamento. Em modo livre. Nos lugares e tempos que escolhemos e que nos pertencem. Que incluem, felizmente, as redes sociais. Mas que não nos transformemos em autómatos do palrar, empurrados para a comunicação compulsiva e vazia.
Porque comunicar e interagir é o ato social por excelência. Indispensável. Livre, interventivo e desejado, construtor da teia que nos faz humanos. Mas assente na vontade e na escolha. Na liberdade e na obrigação de ter pensamento – que é coisa diferente de estar a pensar…
Maria do Céu Roldão