O pessoal que nos circunda tem um comportamento genericamente simpático e acolhedor – desde as “sras. funcionárias” aos “srs. administrativos” , aos “srs. seguranças”—em breve damos conta destes códigos de tratamento ..- procurando manter uma certa animação pela madrugada dentro. As “senhoras funcionárias” com um estilo meio brejeiro, a lembrar aquelas risonhas senhoras do Bolhão ou da Ribeira, vão respondendo aos protestos : ”então querida, tem de ter paciência…” – para a velhota de roupão e pantufas já farta de esperar, mas que chegou desmaiada, só que já se esqueceu... Ou brincando com os colegas que conduzem as macas num trânsito apertado –“Ó Zé, estás muito gordo…. olha lá que isto aqui não é a segunda circular…” . Parecendo que não, desanuvia…
A minha experiência com um “senhor segurança” a quem me queixei de não haver água nas máquinas, foi de cumplicidade - logo me indicou, e quase conduziu, a um barzinho no edifício em frente onde poderia ir buscar “ a aguinha”, visto que era para o “paciente” de que eu era “acompanhante” – mais termos do léxico local. Estes sem o prévio “senhor/a”…
Falemos agora do atendimento médico, que é o principal motivo da minha escolha desta temática hoje. A bagunça não podia ser maior…mas eles e elas circulam e atendem aquela multiplicidade de casos e circunstâncias com uma enorme perícia, saber e cuidado. Não decidem sem estar seguros, com exames e mais exames. Não os vi impacientar-se com ninguém – e muita gente reclamava sobretudo da demora, que é grande …Os médicos mais experientes são constantemente procurados pelos mais novos para dúvidas que surgem aqui e ali, e lá vão gerindo aquela correria em entreajuda constante.
Quando o “meu paciente” foi indicado para se submeter a uma intervenção, a médica veio sentar-se connosco e explicar o porquê , a demora e a sequência do procedimento. É certo que em vez de ser logo a seguir, como ela previa, só ocorreu umas horas depois, mas o cuidar, e o explicar estavam lá.
Pela manhã, depois da relativa pausa da madrugada, entram pelas salas onde estão os doentes em tratamento as equipas de estagiários (ou internos?) com o seu médico-mentor que discute com eles cada caso, lhes pede perguntas, observações, diagnóstico…Quando o meu “paciente” respondeu a uma delas que já lhe tinham feito aquelas perguntas todas, ela sorriu e disse “pois é, mas vou perguntar-lhe na mesma.., temos de confirmar…”.
Deixo aqui por isso uma homenagem ao profissionalismo do desempenho destes homens e mulheres - uns melhores , outros piores, certamente, como em qualquer profissão - a quem cabe cuidar da nossa saúde e, não poucas vezes, salvar as nossas vidas. Pelo rigor do conhecimento que põem em uso, pelo cuidado da colocação de hipóteses, pela colaboração inter-pares, pelo foco permanente em cada paciente e na sua cura e alívio, por não se refugiarem na falta de condições ou no desespero.
E sinto uma outra enorme urgência… a de entrar numa escola, tão cheia de casos problemáticos e diversos como uma urgência hospitalar, e ver os meus pares largarem as rotinas organizacionais que nos aprisionam, e agruparem-se de outros modos para trabalhar sobre as dificuldades, para estudarem os casos, para encontrarem e testarem em conjunto “tratamentos”, e não desistirem enquanto não houver do lado do aluno a “cura” – que para nós se chama aprendizagem.
Se nos deixarem, claro… Mas também se realmente quisermos garantir a todos, não a vida ou a saúde como os médicos, mas o rasgar de direitos e oportunidades de vida digna que só a aprendizagem conseguida lhes permitirá. Antes que nos venham dizer que a educação é uma escolha pessoal…. e mesmo, quiçá, que não se pode pretender educar todos… Por cima dos nossos cadáveres, quero crer.
Por isso é mesmo urgente.
Maria do Céu Roldão