Escrevo hoje estas linhas em África onde tenho vindo a trabalho com alguma frequência nas últimas duas décadas e onde espero continuar a vir. A minha ideia de África, bebida, no filme em causa, na coragem de uma mulher de início do séc. XIX que cria uma plantação de café no Quénia, se envolve numa dramática história de amor, e acaba perdendo tudo e sendo forçada a abandonar aquele seu mundo quase onírico para regressar à fria Dinamarca, desenhou-me um imaginário mágico e grandioso, associado às narrativas de tantos amigos que lá nasceram e viveram, e também a toda uma literatura de viagens, de antropologia, de história…
Por isso sofro um amargo de boca face aos meus sentimentos reais em África…Com alguma estranheza de família e amigos, não fico fascinada. Tão pouco me sinto rejeitada ou hostil. Gosto até muito das pessoas e dos locais que me tem sido dado conhecer, em várias latitudes do continente. Mas sinto uma amálgama confusa de sentimentos e perceções que não sei se consigo exprimir… África é para mim como que um imenso campo acastanhado e verde onde se movem muitas sombras e mágoas, se movimentam memórias terríveis dolorosamente presentes na atualidade das ruas e populações que desenham as cidades, e onde subitamente explodem flashes de deslumbramento.
Gosto dos olhos sorridentes do menino negro que me quer vender as bananas magnificamente dispostas num cesto, mas dói-me o preço mínimo que ele pede, e a tristeza do lugar para onde volta ao anoitecer. Espanto-me com os embondeiros ao longo da estrada pejada de gente com seus carregos, de mulheres no fulgor colorido das suas capulanas, mas confrange-me o modo de vida rural de toda esta gente, de economia básica, seguramente igual ao que era há quinhentos anos. O Índico é deslumbrante junto à ilha de Moçambique , visto por entre arcadas em ruinas da fortaleza de São Sebastião – mas a ilha de pedra colonial , aliás decadente, ainda que linda, foi feita a custas de uma escavação extensa da pedra disponível em cujo vazio se instalou, num fundão, o bairro das populações negras, entretanto superlotado nas sucessivas guerras, e gritante na sua pobreza. Ainda que as pinturas brancas das faces das mulheres macuas, de cabeças lindíssimas, esculpidas sobre pescoços e colos de autênticas Nefertitis, me deixem extasiada…
Talvez seja eu que sou um bocado estranha…Na verdade estes contrastes estão em quase todos os lugares, não só aqui.. mas não se me afiguram idênticos. África, a minha áfrica , aparece-me como uma velha mulher. sofrida e cansada, que muitos usaram e ainda usam, que não chegou sequer a viver a juventude. Porque lha tiraram. E que contudo guarda a memória discreta do seu esplendor. E um sorriso, ainda que triste, para quem a visita.
Maria do Céu Roldão