(em versão integral)
Apaixonei-me por Roland Barthes muito cedo, quando esbarrei na sua inigualável descrição do lugar da espera no amor, algures a respeito da espera de um telefonema – que não vem… nos Fragmentos de um Discurso Amoroso. Esperar, antecipar, aguardar, ter esperança, mas viver na angústia do que contudo se deseja…. Ingredientes que estão por dentro, e também para lá, do sentimento amoroso, embebendo quase toda a nossa vida em sucessivas marcações do tempo que, no essencial, são pautadas pelos pontos de espera, pelos degraus de passagem, por aquilo que associamos à ideia de véspera.
O dia-a-dia constantemente se reconfigura e representa como a véspera de alguma coisa que o dia seguinte nos trará. Ou não. Mas na véspera ainda não sabemos - tudo está em aberto. De algum modo a véspera importa o futuro para adoçar a vida de todos e de cada dia, até ao último dos nossos dias. Na limpidez de Saramago “a véspera é o que trazemos a cada dia que vamos vivendo, a vida é acarretar esperas como quem acarreta pedras… o último dia é o único a que não se pode chamar véspera.”
Na Liturgia das Horas, amplamente documentada no imaginário cristão em prodigiosas iluminuras dos ricos Livros de Horas, as Vésperas são uma das três horas principais de oração ao longo do dia. A do final da tarde. Quando o dia se cumpriu e se agradece, e o olhar se volta para a promessa do dia seguinte. Por isso uma das orações das Vésperas é o Magnificat, exaltação do dia cumprido. Por isso nessa liturgia se retoma o encontro de Cristo com os irmãos de Emaús que lhe pedem: “ Permanece um momento mais connosco porque é tarde e o dia já declinou…” (Lucas, 24:29). Faz falta ter alguém connosco nesse lugar de solidão em que um dia se fecha e nos defrontamos, ansiosos, com a promessa e o medo do dia seguinte. Lugar da véspera. Carregado de esperança e de perda irremediável, vibrante como a espera, fugaz e intenso como a temporalidade de que somos feitos. Na voz de Saramago “tornar a ser véspera, ao menos por uma hora, é o
desejo impossível de cada ontem que passou e de cada hoje que está passando”.
Maria do Céu Roldão