Congresso internacional PEEME – Évora, novembro/2013
[i] Texto adaptado da “Nota de abertura do livro de resumos”, redigida pela comissão organizadora do congresso.
O tempo chuvoso e frio destes três dias, que não permitiu usufruir cabalmente da beleza da cidade de Évora, “obrigou-nos” a permanecer no local do congresso e a assistir à quase totalidade das sessões, o que possibilitou ter uma visão abrangente e objetiva da qualidade inegável deste evento. O facto de as “comunicações livres” se realizarem em sessões simultâneas e se aglutinarem por áreas temáticas (Liderança e Autonomia; Liderança e Eficácia; Diferenciação Pedagógica; Sucesso e Insucesso; Aprendizagem e Avaliação; Monitorização e Eficácia; Escola e Família; Trabalho Colaborativo) permitiu que nos distribuíssemos de acordo com os nossos interesses e, posteriormente, partilhássemos notas, opiniões, preocupações… ou seja, que, no final de cada dia, o congresso se prolongasse, mesmo após o término dos trabalhos.
Passamos agora, resumidamente, e numa perspetiva mais pessoal, a assinalar algumas das intervenções que mais interesse nos suscitaram:
[i] In Livro de Resumos, p. 12
Almerindo Janela Afonso (Universidade do Minho), com a intervenção “Políticas de accountability e modelos de gestão das escolas”, fez um exercício exploratório em torno da problemática da accountability na educação, apresentando algumas reflexões e dados referenciados aos modelos de administração e gestão da escola pública portuguesa, tendo como pano de fundo a reconfiguração atual das políticas educativas. Incidiu sobre o conceito complexo de accountability (“não tradução propositada”) que sintetiza ou condensa três pilares essenciais: i. avaliação; ii. prestação de contas; iii. responsabilização. Referiu três dimensões deste conceito: i. informativa; ii. justificativa/argumentativa; iii. de imposição ou sanção. Sublinhou a (des)articulação entre avaliação, prestação de contas e responsabilização. Focou ainda alguns modelos de accountability na educação e dos valores que devem nortear as dimensões da accountability. No final da sua intervenção, desafiou os participantes a lerem o documento da OCDE “Reviews of Evaluation and Assessment in Education: Portugal 2012”.
David Justino (Conselho Nacional de Educação), com a conferência intitulada “Culturas escolares em mudança: os resultados também contam!”, partilhou algumas reflexões sobre os últimos 15/20 anos, no âmbito das culturas escolares. Explanou sobre a definição de cultura escolar, focando três domínios: i) cultura organizacional; ii) cultura relacional; III) conhecimento educacional. Enunciou algumas hipóteses sobre as fontes de regulação das culturas escolares, tais como: regulação coerciva (orientação e diretrizes superiores); regulação partilhada; regulação induzida (por organismos internacionais, efeitos da opinião pública, media, etc.); regulação voluntária (por iniciativa das organizações escolares). Sobre os três domínios acima referidos, o orador fez ainda uma breve caracterização, a saber: i. Cultura organizacional que decorre de regulação coerciva, por exemplo, da alteração do quadro normativo de gestão e de autonomia das escolas, da liderança de cada unidade orgânica, da avaliação externa das escolas, do processo de agrupamento de escolas (escala e mobilidade interna de recursos; verticalização pedagógica e trajetos escolares; integração de culturas profissionais diversas e como compatibilizar essas culturas, dando como exemplo as culturas dos educadores de infância, dos professores de 1º ciclo e de outros ciclos dentro da mesma organização). ii. Cultura relacional baseada na relação escola-comunidade. Escolas em rede, dando como exemplos: a rede de escolas ESCXEL [i], a rede EPIS [ii], Redes TEIP, Fénix, TurmaMais, redes digitais. iii. Conhecimento Educacional decorrente de: metas/standards, indicadores escolares de desempenho, testes internacionais, opinião pública e media, exames nacionais, divulgação dos resultados, ou seja: orientação para os resultados! David Justino termina a sua intervenção, defendendo que será necessário “olhar” para os sistemas culturais numa perspetiva mais sociológica e antropológica, em vez da simples “cultura da organização”.
A intervenção de João Barroso (Universidade de Lisboa), sobre “A autonomia das escolas: diversidade, controvérsias e desafios” visou “desconstruir” a visão dominante das políticas de autonomia das escolas, baseada no proposto da sua homogeneidade e inevitabilidade. Procurou explicar o sucesso mediático destas políticas, apesar da manifesta ausência de evidências empíricas consistentes sobre o seu efeito positivo nos resultados escolares dos alunos e na qualidade da educação em geral. Procurou, ainda, evidenciar que o debate sobre as questões de autonomia (e da gestão escolar) é um debate essencialmente político e não um debate meramente técnico sobre a melhor forma de organizar e gerir a escola. [iii] Segundo João Barroso, é possível construir um argumentário pró e contra a autonomia (“perceções e não evidências”). Em Portugal há três fases de políticas de autonomia, isto é, referenciais utilizados para justificar a autonomia das escolas. Autonomia 1: Projeto Educativo / territorialização / participação; Autonomia 2: Avaliação / qualidade / prestação de contas; Autonomia 3: Concorrência / mercado / “liberdade de escolha”. Segundo o orador, estas três fases vieram tornar visível uma clivagem política na configuração da autonomia. Interessante a sua reflexão sobre a autonomia “hard”: mercado educativo; parcerias público-privadas; escola-empresa; competição =» empresa =» autonomia - gestão (financeira e de recursos), por um lado. Por outro lado, a autonomia “soft”: controlo de objetivos ou de desenvolvimento; modernização administrativa; participação =» comunidade =» autonomia – pedagogia (objetivos, programas, métodos de ensino). João Barroso terminou a sua intervenção, defendendo que o grande trunfo é permitir a autonomia pedagógica.
Outras conferências suscitaram o nosso interesse.
Bert Creemers (University of Groningen) com a palestra “An approach to teacher and school improvement based on theory and research in educational effectiveness research” apresentou o modelo DASI (Dynamic Approach to School Improvement) que procura utilizar o conhecimento base da EER (Educational Effectiveness Research) para a melhoria da eficácia da investigação educacional. Apresentou as características, as fases deste modelo e os seus impactos, referindo a existência de estudos que estão a investigar a influência deste modelo na melhoria dos resultados dos alunos. Finalmente, defendeu o desenvolvimento e a avaliação de modelos teóricos que promovam a qualidade na educação.
Por seu lado, Jaap Scheerens (University of Twente), com a comunicação “School effectiveness research results and educational improvement strategies”, abordou o conhecimento científico sobre a eficácia educacional, sublinhando e explorando os fatores com impacto no desempenho educativo, nomeadamente, o sistema educativo, a escola e a sala de aula. Das suas reflexões sobre eficácia, achámos particularmente interessante a sua questão “And what about the characteristics of effective teachers?” e a sua afirmação “The teacher factor matters!”. Sobre esta questão Scheerens aconselhou a leitura do autor Hanushek, 2010. [iv] Ao longo da sua intervenção foi sugerindo várias leituras/autores sobre os fatores acima referidos e terminou a sua comunicação afirmando que os níveis de melhoria de eficácia da escola passam por “ exposure to educational content; evaluation, monitoring and feedback provisions; strengthening teachers qualifications; managing the school climate; managing the teaching and learning programme (focused teaching); meta-control as leadeship aproach”.
Extremamente relevante e com a clareza a que já nos habituou, António Bolivar (Universidad de Granada) incidiu a sua comunicação na “Eficacia escolar y cultura profesional: la escuela como comunidade de aprendizaje profesional y eficácia en el aula”. Para este investigador, melhorar a capacidade organizativa de cada escola com um sentido de comunidade entre os profissionais tem-se transformado, progressivamente, numa componente crítica da eficácia escolar. Para Bolivar, as escolas marcam a diferença ou têm um valor acrescentado quando trabalham sob uma cultura de colaboração que, nos últimos anos, se tem designado como comunidade de aprendizagem profissional. Nesta comunicação foram analisados os processos e as condições para configurar as escolas como espaços de aprendizagem e desenvolvimento profissional dos professores, com o propósito de melhorar as aprendizagens dos alunos. Este investigador identificou, ainda, outros autores que corroboram a tese de que o “capital profissional” dos professores, trabalhando juntos em cada escola (“capital social”), é o principal motor para transformar o ensino. Apelou aos professores presentes para que tenham visão e valores compartilhados, responsabilidade coletiva pela aprendizagem dos alunos e uma colaboração centrada na aprendizagem.
F. Javier Murillo (Universidad Autonoma de Madrid) iniciou a sua intervenção “De las escuelas eficaces a las escuelas para la justicia social”, afirmando que as iniquidades aumentam dia após dia e colocando duas questões: i. Que papel desempenha a educação? ii. Qual o papel da escola? Reiterou a importância do “sentido de comunidade” (“sentido de pertença”), referindo que uma escola eficaz é aquela sabe que a sua missão deve ser a aprendizagem integral dos seus alunos. Focou também vários fatores que contribuem para a eficácia das escolas, e citamos: o clima da escola e das aulas, a direção escolar (“um bom diretor é aquele que se ocupa das pessoas”), a gestão do tempo, a participação da comunidade escolar, o desenvolvimento profissional dos docentes (“atitude face à inovação e aprendizagem colaborativa”) e altas expectativas (“instalações e recursos e educação com qualidade”). Relativamente à “educação com qualidade”, Murillo defendeu que é necessário fortalecer a educação com uma escola ética, inclusiva, inovadora, democrática e que promova uma sociedade mais justa. Sobre o conceito de “justiça social”, sublinhamos a sua definição como um conceito composto por três “R”: i. Redistribuição (justiça como equidade); ii. Reconhecimento (justiça relacional e cultural); iii. Representação (justiça como participação). Terminou a sua intervenção, enunciando propostas para a “construção” de uma escola com e para a justiça social: criar uma cultura escolar com partilha de valores, atitudes e normas; converter-se em comunidades profissionais de aprendizagem (aprendizagem como um fim); centrar-se nos processos de ensino e aprendizagem; fomentar o compromisso e a participação de alunos e famílias; ter uma liderança democrática e distribuída; considerar os alunos como agentes de mudança.
Salientamos também o painel e as conferências do último dia do congresso, incidindo na organização da escola para a promoção do sucesso e, sobretudo, no projeto da TurmaMais e nos seus impactos organizacionais e pedagógicos ao longo do tempo desde a sua implementação.
Sem desprimor para as comunicações livres/simpósios, cujas áreas temáticas já atrás indicámos, e que, ao longo destes três dias, intercalaram as conferências centrais, e porque este texto já vai longo, referimos apenas que foram interessantes espaços de escuta e debate que, pelo facto de terem lugar em salas mais pequenas, convidaram a uma maior proximidade entre os palestrantes e participantes. Esta proximidade teve a particularidade de gerar ambientes eficazes para a partilha de conhecimento, para a discussão comprometida, para a aprendizagem.
E porque a aprendizagem também acontece em situações de convívio, realçamos a visita à Câmara Municipal de Évora que nos brindou com uma receção calorosa e uma visita aos seus espaços mais emblemáticos, acompanhada com uma prova de vinhos e deliciosos petiscos da região, bem como com cantares alentejanos.
[i] ESCXEL - Rede de Escolas de Excelência http://cesnova.fcsh.unl.pt/?area=101&mid=004&sid=003
[ii] EPIS http://www.epis.pt/homepage
[iii] Texto adaptado do Livro de Resumos, p. 28
[iv] http://hanushek.stanford.edu/publications/teacher-quality
i. o jantar do congresso que nos permitiu privar informalmente com muitos dos investigadores e oradores deste evento, oportunidade única para conversarmos com especialistas que “povoam” muitas das nossas leituras;
ii. um outro jantar, mais recatado, mas muito apreciado pelo pequeno grupo da Universidade Católica Portuguesa do Porto presente nestas “outras paragens”.
Cristina Bastos