Espanta-me recorrentemente a forma como nos media - e não só - se tenta tantas vezes reduzir o questionamento a alternativas simples: concorda ou discorda?... Acha positivo ou negativo?.. Condena ou diviniza?... Como é que alguém pode responder a coisas tão complexas como opções políticas, posicionamentos sobre educação, os chamados temas fraturantes, ou o futuro inimaginável desta pátria, quiçá da humanidade, de forma tão simples e definitiva…? Tal maniqueização do real induz, quase inevitavelmente, a distorção e empobrecimento do pensamento e consequentemente dessa coisa desejável mas distante que seria o debate público e cívico…
Quando os meus filhos eram pequenos, ainda situados algures nos estádios de desenvolvimento moral que Kohlberg nos anos 70 do século XX designou como convencionais (marcados pela normatividade,“good boy, good girl”), a discussão também, era essa: “Mãe, estes são bons ou maus?...”. E face à minha pedagógica e
infrutífera tentativa de clarificar que em parte sim, em parte não… a reação era de grande aborrecimento, compreensível nas idades em apreço.. Afinal eram mesmo bons ou maus?....
O que me aflige é o prolongamento deste modo simplificado de (não) analisar o que nos rodeia para além do sossegado tempo das certezas infantis. Soma-se à simplificação a mutabilidade… pois se alguma coisa se altera de repente, na dinâmica constante do mundo e suas circunstâncias, e ficar difícil ser pró… passamos forçosamente a ser contra, dentro desta nefasta lógica. Talvez seja também por isso que os políticos que entram e saem do poder se acham legitimados, a ser cegamente contra tudo o que vem dos “outros” e por isso talvez até obrigados a recomeçar sempre do zero – o que se repetirá regularmente na mudança seguinte… Com custos gravíssimos para esta sociedade fragilizada que é a nossa, cheia de potencialidades dia-a-dia desbaratadas, luminosa como as cores da tarde de Lisboa e grandiosa como os granitos do Porto, carregando uma canção chamada fado que nos chora e que amamos, símbolo de uma espécie de tragédia inevitável…ou talvez não.
Será este um discurso pessimista ou otimista?... Confrontado com esta exata e dicotómica pergunta, há dias, numa estação televisiva, Pedro Adão e Silva convocava Gramsci para se posicionar, com um sorriso, do seguinte modo: pessimista da racionalidade e otimista da vontade. Assim me sinto eu. Pois não há como ser cego à realidade pesada do presente quando sobre ela nos debruçamos. Nem nada que nos impeça de continuar a crer - e a querer – que as coisas podem ser diferentes. E serão.
Maria do Céu Roldão