Vivemos em larga escala sob o signo do teatro do absurdo. Precisamos de nos resgatar através da construção de outro sentido para a ação educativa. Esta é tese deste texto que hoje inaugura uma publicação regular, aqui, sempre à terça-feira.
E quais são os sinais deste absurdo? A persistência da crença de que é possível reformar a educação através do Diário da República; a desautorização regular dos saberes e dos poderes dos professores; a prepotência de uma administração educativa que, por diversas vezes, perdeu a sua razão de existir ao impor o seu arbítrio esquecendo-se que a sua legitimidade só pode ser a de servir as comunidades educativas; a recentralização obsessiva através de múltiplas formas, com destaque para o recurso às plataformas que tudo parecem querer controlar; o aumento do tempo de serviço letivo docente prescrito tornando manifestamente impossível o exercício da profissão a tempo integral até aos 65 anos; o reforço da crença infantil de que os exames são a salvação nacional; a instituição do “terror da performatividade”, tudo medindo pelos resultados académicos passíveis do controlo externo; a prescrição de fórmulas de eficácia que ignoram o fundamental do ato educativo e semeiam as desigualdades em nome da meritocracia.
A lista poderia continuar. Mas basta para ilustrar a tese. Passemos ao enunciado das condições da passagem para uma ordem educativa que se baseia na construção de um sentido à medida das ambições humanas.
A primeira das condições não pode deixar de ser a reivindicação do direito de autoria. Sermos autores (ou ao menos, coautores) do nosso destino. Ser autor é ser criador. É ser capaz de analisar, ponderar, decidir, avaliar o essencial da ação pedagógica. É assumir o risco de adequar as decisões aos contextos, às pessoas concretas. A autonomia (profissional e organizacional) é o outro nome da capacidade de sermos autores das principais normas que regulam a nossa ação.
E isto exige a disposição de pensar e praticar uma existência profissional crítica e criativa. Uma existência exigente e solidária. Exigente em relação às aprendizagens dos nossos alunos; solidária em relação aos pares porque sabemos os limites da racionalidade individual. O sentido que nos pode animar na construção de uma outra ordem mora nos nossos olhares, nos nossos gestos. Na nossa vontade individual e coletiva. Que precisamos de acender nestas esquinas do tempo.
José Matias Alves