Há já quatro dias que Elodie deveria ter recebido a encomenda que lhe enviou pelo aniversário. É uma prenda que há muito que você andava à procura, um livro raro, um objecto precioso ou uma roupa cobiçada há muito tempo. Levou tempo até conseguir arranjar algo que lhe desse mesmo prazer. Agora que ela já não é uma menina pequenina, que já é independente, que vive longe de si, está atenta para lhe dar presentes que marcam tanto a sua estima quanto a sua afeição. Nem pensar em dar-lhe um boneco de peluche engraçado, em recordação do tempo em que ela ainda andava de tranças. E muito menos parecer estar a reger a sua nova vida comprando-lhe colchas ou cortinas: ela não apreciaria essa intrusão na sua intimidade. Nem pensar, tão-pouco em ceder à facilidade do cheque-prenda, sob pena de parecer ter atamancado o assunto no último momento. Um verdadeiro quebra-cabeças! Várias horas de discussão com o seu cônjuge e três tardes de sábado a calcorrear as lojas antes de, finalmente, encontrar o presente ideal.
Embrulhado com esmero, acompanhado de um postal no qual pesou a mais pequena palavra, teve o cuidado de o levar ao correio fazendo de forma a que chegasse precisamente no dia do seu aniversário. E desde esse dia que está à espera… Quando toca o telefone, precipita-se, desejando que seja finalmente a Elodie. Espera o carteiro, sem muita esperança, visto que a sua última carta já tem uns anos, quando ela estava na colónia de férias e que tinha o cuidado de lhe fornecer envelopes e selos antes da partida. Mas, nunca se sabe… Talvez, tenha agora redescoberto o prazer da correspondência?
No início, no casal, não disseram nada: inútil trocar a vossa inquietação; isso mais não teria feito do que aumentar a vossa tristeza. O que não é dito, ainda não existe verdadeiramente. Preserva-se o futuro: quando a boa notícia chegar, não a terão estragado por censuras inúteis e poderão ficar contentes sem ideias pré-concebidas. E depois não conseguiu aguentar mais: decidiu-se a partilhar a sua amargura: “Ao menos a Elodie podia ter dado sinal! Nada: nem apenas um pequeno obrigada. Não me digas que não podia ter arranjado trinta segundos para telefonar!” Primeiro tranquilizam-se mutuamente e depois vem o tempo em que se enervam juntos… até ao momento em que a cólera rebenta!
É então chegado o momento de se lembrar do que dizia o filósofo Alain: “Fazes o que deves e nunca esperes nada em troca. Se vier alguma coisa, acolhe-a como se de um presente se tratasse…”Alain tinha razão: o meu dever é o meu dever; o meu desejo de agradar. A reciprocidade não é nada comigo. É assunto do outro e só dele. Esperar a reciprocidade, não é dar um presente, é fazer comércio… O que, evidentemente, não impede que quando a reciprocidade advém, a possamos viver como uma verdadeira felicidade. A felicidade nunca está no lugar onde a esperamos; nunca vem quando a exigimos.
Philippe Meirieu
Autênticas lições de vida.