Aceitamos uma liderança quando ela aumenta as nossas perspectivas
Alvaro Granha Loregian
Sentei-me ali, pelas margens do outro lado do oceano atlântico, de modo a poder ter outra perspetiva de Portugal e, apesar de não ter saído deste lado, senti a distância necessária para discorrer sobre o nosso presente. Mas a arte de pensar é judiciosa. Fossem quais fossem as razões que o motivaram, ao olhar de lá para cá perpassaram na minha mente quatro navios, cada um com sua alcunha: Gandhi, Estaline, Hitler e Mandela. Flutuavam por esta ordem, em respeito às datas de nascimento de cada patrono.
Registei que entre os três primeiros mediava sempre uma década (1869, 79 e 89), e que Mandela destruía a abordagem que esse intervalo me suscitava (1918).
Quatro navios, quatro líderes, quatro homens que mudaram o curso da História. Seguidos ou odiados, perseguidos ou admirados.
Enterrei os pés, na água do mar, e perguntei-me o que distingue um homem vulgar, como eu, de um líder, como eles.
Escrevi, na superfície das águas, que há três dimensões que concorrem para o surgimento de um líder: a lucidez, a determinação e a coragem. Em primeiro lugar, a lucidez: só pode mobilizar, quem conseguir compreender; só pode convencer, quem possuir ideias claras sobre o caminho a seguir. Em segundo lugar, a determinação: conhecendo o caminho, é necessário dar início à caminhada, reunir forças para derrubar os obstáculos que se anunciam, auxiliar os que tenderão a sucumbir e animar os descrentes. Finalmente, a coragem: saber dos riscos e corrê-los, responder aos vendavais, aguentar as ameaças à integridade física e moral.
Em nota de rodapé, as águas assinalaram que há uma quarta dimensão, que eu não poderia esquecer: a humanidade. E apontaram-me as diferenças entre os navios que as sulcavam:
- Este aprendeu a descobrir o lado bom da natureza humana e a entrar no coração dos homens;
- Aquele promoveu a rápida industrialização, a expansão do território, a afirmação dos princípios em que acreditava;
- Aquele outro proclamava a prosperidade sem eslavos, nem ciganos, nem homossexuais, nem deficientes físicos ou mentais nem, muito menos, judeus;
- O último sonha com o dia em que todos compreenderão que foram feitos para viverem como irmãos.
A humanidade, sublinharam as águas, fê-los divergir, no horizonte, em dois grupos com percursos distintos.
Olhei de lá para cá e fixei-me neste espaço e neste tempo em que vivemos. Aos nossos sobra-lhes em coragem e determinação, o que lhes falta em humanidade e lucidez. E isso, como ensinam as águas, faz toda a diferença.
Deixei-me ficar por onde estava, exilado de mim e da minha falta de atributos. Se ao menos eu tivesse coragem…
Antero Afonso