O tempo é o consolo que nos resta por não durarmos sempre
Stig Dagerman
Depois de se sentar na cadeira por detrás da secretária, colocou os óculos, aprontou a caneta, abriu o livro de sumários e ditou, enquanto escrevia: - Sumário. Terça-feira, 28 de Maio de 2013.
De seguida escreveu os objetivos que tinha traçado para o dia e, depois de se certificar de que nenhum aluno estava a faltar, fechou o livro e dirigindo-se aos alunos perguntou: - Alguém me sabe dizer que dia é hoje?
Uma gargalhada surda e olhares interrogativos.
- Ninguém sabe que dia é hoje? Repetiu, fazendo menção de retirar a agenda que tinha na mala.
Tiago interrompeu-a: - A professora acabou de nos ditar que é terça-feira.
Com distraída incredulidade, confirmou: - Tens razão, Tiago – e deu continuidade à aula, fazendo imensas perguntas: perguntas de natureza muito diferente, sobre assuntos os mais diversos, com propósitos igualmente muito diversificados. Uma vezes para avaliar o grau de acompanhamento, outras para motivar, outras, ainda, para apelar à atenção, ou para conferir se haviam estudado e outras, finalmente, para preencher os espaços de tempo que sempre sobram nas conversas com os outros.
Em todas as perguntas deixava uma nesga de tempo, excessivamente reduzida, que não permitia a reflexão, uma brecha a que quase ninguém chegava a tempo. Na maioria das vezes, ela mesmo preenchia essas fimbrias temporais com respostas às perguntas que formulava.
- Qual é o nome do rio que banha a nossa cidade? - e antes que as águas pudessem chegar à foz, acrescentava: -Então, não sabem? Soletrava - Dou…dou… – e, na ausência de resposta – Douro! Rio Douro. Então, meninos? Não estão atentos? Hein?
Nenhum deles sabia se era para responder ou se a pergunta fazia parte de uma estratégia de ensino.
Em cada novo dia, o tempo de reacção concedido era menor, cada vez era mais curta a distância que mediava entre o momento em que a pergunta terminava e o momento em que a professora iniciava a dar a resposta. O tempo parecia esgotar-se em cada segundo. Com ele esgotava-se, também, toda a possibilidade de reflexão e de análise.
Tiago gostava verdadeiramente dela. Sempre que o seu raciocínio era interrompido pela voracidade da professora, acatava com um sorriso complacente e levava aos efeitos da política educativa – de que ouvia falar todos os dias lá por casa – o desnorte da professora.
Quando a oportunidade surgiu, Tiago perguntou: - Professora, quanto tempo leva até ser professor?
Ela parou, fitou-o, deixou rodar o olhar por todos os rostos que a observavam e, durante dois minutos pairou um silêncio abençoado nos lábios de cada um. A professora compreendeu, então, a importância do tempo para reflexão.
Antero Afonso