Oscar Wilde
Sento-me virado de costas para mim mesmo, de modo a evitar o olhar enfurecido com que me avalio. Fico por momentos assim, desprovido de mim, até que a calma volte, a serenidade me obrigue à contenção e o mau feitio ceda a outras evidências.
Pergunto-me sobre a natureza humana, como se fosse coisa pouca o que me apoquenta, como se a filosofia fosse ciência certa, como se o detalhe que distingue fosse apenas um pormenor.
Depois, lentamente, descubro que já inúmeros antes de mim refletiram sobre esta mesma questão e readquiro a exata dimensão que nunca deveria ter abandonado.
Por que razão, alguém tido por próximo, conquistado pelas dimensões da palavra, pelo envolvimento dos afetos, pela afirmação pública de uma autoestima que nunca tivera, pela partilha do sentimento coletivo da integração, pode ter um ato de desconformidade que coloque tudo em causa?
Como se explica, que à beira de um mundo novo, alguém volte ao mundo antigo, onde tudo o penaliza, lhe é desconfortável, lhe pedia que o abandonasse?
Como deixar de me desiludir depois de ter criado a ilusão de que a conformidade estava assegurada, o conhecimento provocara mudança, que as interações sustentavam o respeito pelo património comum? Só encontro uma maneira: voltar ao início, refazer o caminho, colocar-me no lugar do outro e percecionar as razões que ultrapassaram a minha razão, desfazer-me do preconceito da (falta) de consideração e buscar as outras considerações que não levei em devida conta nos momentos devidos.
Afinal, agradeço-lhe o facto de me ter alertado para que os caminhos do conhecimento e das interações são múltiplos e plurais, e que há uma infinidade de teias que se cruzam se interpenetram e se desdobram em infinitas possibilidades de ocorrências. Que a pobreza e a carência têm dimensões que reclamam mais do que o enunciado de princípios gerais, onde quase nada do que importa se enquadra.
Em definitivo, aquilo que me acalma é o mesmo que me tinha criado a inquietação: as relações humanas e o fogo criador que as anima, aí compreendido o universo de coisas que desconhecemos.
Hoje, agradeço-te o facto de me teres surpreendido com um ato tão inesperado que me fez escrever esta crónica e por teres colocado as minhas convicções no lugar de onde nunca deveriam ter saído.
Talvez seja aqui que reside o conceito de aprender com o erro ou talvez eu seja um mau discípulo de Agostinho da Silva que me ensinou tantas vezes: só se desilude quem se deixou iludir.
Ou, talvez seja apenas a minha vaidade de professor que tenha sido maculada.
Antero Afonso