Na semana passada fui para a escola de Metro. Quando não chove prefiro ir a pé. Andar 40 minutos, sentir o dia que amanhece para a vida, sentir o sol e o vento antes de chegar à escola, dá-me entusiasmo, faz-me bem. Mas naquele dia resolvi ir de Metro. Quando cheguei à estação percebi que devia ter partido uma composição há pouco, pois a gare estava deserta. Olhei para a indicação de demora e percebi que a próxima demorava ainda uns minutos. Sentei-me e preparava-me para pegar um daqueles jornais gratuitos perdidos no banco, quando percebi que uma senhora idosa tentava, com alguma dificuldade, sentar-se ao meu lado. Levantei-me e dei uma ajuda.
- Obrigada. Agradeceu. Andar, ando bem. Mas sentar e levantar já requer outro esforço. Desculpou-se.
- Não tem de quê - desvalorizei. O importante é andar bem… o resto é uma questão de jeito ….- Brinquei.
A senhora percebeu que não hostilizei o diálogo e aproveitou:
-Hoje está um lindo dia, não está? Embora um pouco fresquinho- acrescentou.
- Para mim está muito bem. Desde que não chova. E pouco ecologicamente, reconheço, declarei convictamente: “Detesto chuva!”
Ela assentiu com a cabeça e disse: “Eu também não gosto de chuva. Para a uma pessoa da minha idade a chuva transforma a nossa casa numa prisão sem grades. Fico dias e dias sem vir à rua ou mesmo à janela.”
Levou a mão à cabeça como se quisesse tentar apagar uma má ideia e olhou para a minha pasta. Então perguntou: “ É professora?”. Respondi que sim, que embora tivessem acabado as aulas eu tinha, daí a pouco, uma reunião de avaliação. Com um olhar triste e um pouco perdido, suspirou e disse nostalgicamente:
- Eu também já fui professora. Percebi a tristeza também na voz e amenizei: “Foi, não. É professora. Ser professor só se conjuga no presente. Entranha-se no sangue. É quem somos.” Sorriu: “Gosto da ideia. Faz-me sentir que ainda pertenço a alguma coisa.”
-Deve, sobretudo, fazê-la sentir que alguma coisa lhe pertence. Uma professora tem sempre, na memória, momentos únicos que são a certeza que fez a diferença. Pouca ou muita, ela não passou indiferente pala vida de tanta gente. Poucas são as profissões que deixam marcas como esta.
Olhou para mim e disse: “Hoje estive quase para não sair porque a minha anca estava a arreliar-me. Ainda bem que saí.”.
Sorri. Apercebi-me que Metro da nossa linha estava chegar. Levantei-me e ofereci-lhe a mão para a ajudar a levantar. Olhou para mim com um olhar envergonhadamente molhado por uma lágrima imprudente:
“ Eu não vou a lado nenhum. Vivo sozinha aqui perto. Nunca tenho ninguém para conversar. Quando posso venho até aqui para conversar um pouco”.
Mil coisas me passaram pela cabeça naquele instante. Pensei que aquela senhora tinha dedicado a sua vida à comunicação. Através dela aprendeu e ensinou. Com ela deve ter ajudado a construir destinos. Com ela construiu o seu. Não merecia ser traída por ela. Pela falta dela. Como podemos afirmar viver numa sociedade da comunicação que nos permite falar com pessoas a milhares de quilómetros e se tudo o que a ela nos liga nos faz esquecer daqueles com quem trabalhamos e partilhamos uma vida? Daqueles, que sós, vivem apenas à distância de uma porta ou uma parede?
Lembrei-me, então, do texto que tinha explorado com os alunos. Começava assim: “ O ser humano não pode não comunicar. “.
Ana Paula Silva