No Terreiro de Paço, agora reconciliado com o seu rio, espreguiçando-se aos pés da cidade como a entrada prometida de um oceano ao alcance de quem olha a partir da praça, jantar ao fim da tarde, com a delicada brisa a apenas aconselhar um agasalho leve, pareceu-me neste domingo um supremo prazer… Será talvez porque estamos este ano muito sequiosos de sol, verão e alegria. Ou porque nos damos conta, de súbito, que há meses que vivemos soterrados em trabalho, angústia e notícias da troika e afins, sendo estas muito mais incómodas e nocivas do que todo o trabalho do mundo!...que a mim, pelo menos, sempre me dá prazer o trabalho que faço, mesmo se muito… Ou talvez apenas porque a vida, e a afamada felicidade, são feitas afinal destes pequenos instantes, capturados para sempre na memória dos dias.
Mas a mudança para a hora de verão também se faz sentir no começar do dia. Ou comecei agora a dar conta disso… De manhã, ainda que não com a disciplina e regularidade aconselhadas, faço o recomendado passeio de meia hora sempre que posso, no próprio bairro onde vivo, agora mais florido e verde do que há uns anos atrás. E as manhãs que encontro ao sair de casa, já herdeiras de umas boas horas de sol, são nítidas e reconfortantes. Trazem na sua luz clara, muito branca àquela hora, a promessa de um longo e luminoso dia, ainda tão longe de terminar!....Mesmo que já sejam onze ou meio dia, não importa, a tarde ainda vai durar até as 9 da noite…O que produz em mim um efeito euforizante e esperançoso, um pouco tonto, já que 24 horas serão sempre 24 horas…Mas não é assim que o sentimos. O facto de o fim da luminosidade se apresentar distante, deixa fruir o tempo com uma plenitude e uma paz acrescida que intensificam o prazer do dia.
Faz-me lembrar o quanto a vida me parecia interminável, mesmo quase eterna, quando os anos que então tinha se situavam na manhã desse percurso. Tudo ainda tão cheio de luz, possibilidades, tempo… A hora de verão da vida. Um modo intemporal de estar que só se altera quando as horas de luz que faltam são forçosamente mais diminutas, quando a soma do tempo vivido - e com quanto gosto! - se contrapõe ao cálculo menos tranquilo de quanto falta para o anoitecer. Com a certeza de que o sol que brilhará daqui a trinta ou quarenta anos já não iluminará as nossas tardes e manhãs. Hora de inverno, afinal. Antecedida de anoiteceres suaves, outonais, mais propícios à evocação que à expectativa. Mas por isso mesmo intensificadores poderosos do desejo de viver cada dia, muito mais lúcidos e conscientes do que vale cada momento. Porque é único, sei-o agora, não voltará. Ganho de sabedoria e prazer, ainda que pela perda da intemporalidade e pela consciência acrescida da finitude.
Não triste, só levemente melancólico. Tempo de viver sem perder tempo. Porque só há este tempo. Carpe diem…
Maria do Céu Roldão