1) Princípio da não substituição
Os professores não devem substituir os seus alunos, fazendo o que eles podem perfeitamente fazer, tendo em vista a sua aprendizagem. Substituir é destituir, é negar a aprendizagem, é adulterar a relação pedagógica. Quando os professores esquecem que os alunos sabem já ler e passam aulas a ler o manual; quando os professores esquecem que os alunos "sabem saber" e podem comunicar o que sabem, o que duvidam, o que não sabem; quando os professores ignoram o potencial da dinâmica interactiva do grupo ou da turma, estamos a praticar a substituição. Quando decidimos em vez deles, quando os infantilizamos, quando não criamos oportunidades de terem voz no capítulo estamos a praticar a substituição.
O princípio da não substituição tem um claro e vasto alcance pedagógico. Ao fim e ao cabo ensinar é implicar o aluno, é responsabilizar, é autonomizar.
2) Princípio da actividade selectiva
Uma das mais frequentes degenerações do princípio anterior consiste em pensar que o importante é que o aluno esteja constantemente "activo", sem importar muito o tipo ou o nível de actividade que está a realizar. Este princípio pedagógico estabelece que o bom professor selecciona progressivamente o tipo de actividades que colocará ao dispor dos alunos, tendo em conta a tipologia, a natureza, o contexto social e humano, a complexidade, a sequencialidade e o potencial educativo das tarefas.
3) Princípio da antecipação
Este princípio, baseado na teoria da "zona de desenvolvimento próximo" de Vygotsky, estabelece que se devem estabelecer metas progressivas de aprendizagem que sejam alcançáveis pelos alunos. Ora este princípio obriga-nos a procurar saber em que ponto (em que pontos) se encontram os nossos alunos, qual o potencial e a temporalidade do desenvolvimento para então organizar sequências didácticas que geram aprendizagens e conduzem ao êxito, ao reforço da auto-estima e ao sucesso.
4) Princípio da motivação
A motivação é uma invariante essencial no processo educativo. Muitos caminhos poderemos construir para que os alunos queiram aprender: trabalhando para que se sintam atraídos pelos conteúdos de aprendizagem (mostrando a relevância social, acreditando no valor do que se está ensinando, expressando entusiasmo), valorizando os interesses dos alunos, diversificando os métodos e as técnicas didácticas (não esquecendo os princípios da "não-substituição" e da "individualização"), cuidando da relação pedagógica com os alunos (firmeza, compreensão, rigor, empatia, justiça, competência, confiança...), pois ensinamos o que somos e a disposição do aluno face ao investimento numa dada disciplina passa muito pelo modo de ser do professor, promovendo, reconhecendo e valorizando o êxito (que devemos considerar como poderosos factores de motivação dos alunos), implicando os alunos no trabalho de ajuda solidária, no trabalho cooperativo que gera o sentimento de realização e de humanidade. Num tempo em que cresce o número de alunos prisioneiros da escola e que não aprender o que a escola lhes quer ensinar é de vital importância, trabalho neste sentido e nestas múltiplas direcções.
5) Princípio da individualização
Ensinar a todos como se fossem um só (um dos princípios estruturais da escola) tem sido uma das causas maiores do seu fracasso. E porque cada aluno tem a sua individualidade própria (saberes, dúvidas, erros, inteligências diversificadas) é imperativo diversificar as situações de aprendizagem tendo como horizonte a individualização das aprendizagens: i) formulando perguntas à turma, designado posteriormente um aluno/grupos de alunos; ii) formulando perguntas no início da aula a grupos de 2/3 alunos e obtendo-se a resposta no final através de porta-voz; iii) criando tempos específicos para trabalho individual; iv) estimulando a construção de diários de aula, cadernos de turma escritos rotativamente; v) estabelecendo rotinas rotativas (sínteses de aula, resumos, recitação de poemas...); vi) avaliando através de portefólios individuais; vii) alternando sequências expositivas para toda a turma com sequências de trabalho grupal/individual...
6) Princípio da adequação epistemológica
Este princípio alerta-nos para a necessidade de adequarmos os conceitos a ensinar ao nível etário dos alunos, à sua capacidade cognitiva, de sequencializarmos e mediarmos adequadamente as matérias a ensinar.
7) Princípio da codificação óptima
Ensinar (in-signare) é justamente pôr em signos; e um bom professor tem de procurar os códigos (a semântica, a sintaxe, a pragmática) que potenciem as aprendizagens dos alunos.
8) Princípio da sociabilidade
A vida na sala de aula é um mundo de relações, é um microcosmos social. Aqui se aprendem os conceitos, os saberes, os saberes-fazeres; aqui se desenvolvem as múltiplas dimensões do ser humano; a cognição, a emoção, a relação. Por isso é fundamental criar momentos de sociabilidade onde se possam desenvolver os valores da cooperação, da solidariedade, da justiça, do respeito mútuo.
9) Princípio da interdisciplinaridade temática
Este princípio decorre da evidência de que é preciso hoje um diálogo de saberes disciplinares. Depois de um tempo da especialização que levou a uma proliferação de saberes e de disciplinas que nada sabiam umas das outras, foi crescendo a necessidade do diálogo interdisciplinar, da aliança de saberes para melhor compreender o mundo e a vida, da fundação de novos objectos (mecatrónica, bioética, sociolinguística...). Enquanto não é possível uma nova ordem disciplinar é desejável uma prática educativa de proximidade, de boa vizinhança, de procura de práticas interdisciplinares sobretudo no caso dos departamentos curriculares recentemente criados no papel, pois não há dúvida que isso favorece a compreensão e as aprendizagens dos alunos.
10) Princípio da diversificação metodológica
Este princípio é exigido pela diversidade académica, social e cultural existente na sala de aula. Sendo diferentes, só a diversidade metodológica pode ir ao encontro da necessidade de aprender, da individualização, da criatividade, da motivação intrínseca. Por isso, este princípio basilar da acção didáctica deve constantemente ser convocado quer para ser usado dentro de cada aula (de 90 minutos, por exemplo) quer nas sequências das unidades didácticas.
11) Princípio da sequencialização alternativa
Organizar as sequências de ensino do simples para o complexo; que tenham em conta os pré-requisitos necessários às aprendizagens que se vão propor; que incluam uma revisão sistemática do aprendido (enunciado conciso de cada ideia ensinada, exemplo típico, fácil de recordar, itens de autocontrolo do domínio de cada ideia); que considerem momentos de síntese que estabeleçam relações entre e intra as ideias aprendidas (para aumentar a validade do conhecimento, para facilitar uma compreensão mais profunda das ideias, para aumentar a significação e o poder motivador dos conteúdos, elevar o nível de retenção do aprendido); que ponderem o uso de analogias que trazem nova informação e a relacionam com algo já familiar e significativo; que usem "activadores de estratégias cognitivas que põem em marcha a utilização por parte do aluno de uma destreza ou capacidade de carácter geral"; não esqueçam o controlo do aprendido pelo aluno.
12) Princípio da interfuncionalidade psíquica
Este princípio baseia-se nas quatro dimensões básicas do ser humano: no homo sapiens (que sabe), no homofaber (que sabe fazer), no homo ethicus (que é responsável pelo que faz e não faz), no homo aestheticus (que sabe sentir, desfrutar e ser feliz com as suas três dimensões anteriores). A consciência desta multidimensionalidade aconselha a que a didáctica de cada disciplina (nos seus objectos, sequências, métodos...) organize momentos que promovam o respectivo desenvolvimento.
13) Princípio da homogeneidade preditiva (ou da congruência discurso-prática)
Este princípio metodológico estabelece em essência que "não é possível predizer êxito pedagógico devido à intervenção técnico-pedagógica dos professores se esta não incorporar os critérios definidores do êxito pedagógico", pois o que não esteve no processo não estará nos resultados. Assim, não é possível educar eficazmente para o exercício do pensamento crítico e independência pessoal se a prática educativa se fundar na razão da força, na imposição da verdade única. Não é possível esperar uma vivência cooperativa se a ordem escolar se fundar na competição excludente. Não é possível esperar a interiorização do valor do trabalho, do mérito pessoal, do respeito mútuo se as realidades quotidianas valorizam o inverso.
14) Princípio da reciprocidade dinâmica teórica-prática
A teoria sem prática é menos "teoria" pois estaria menos consolidada pelas evidências da realidade. Uma prática sem teoria seria uma errância sem sentido. Na acção didáctica a teoria e a prática têm de ser as faces de uma mesma moeda. No caso da área de projecto (ou numa pedagogia de projecto/com projecto) ganha particular relevância considerar este princípio.
15) Princípio da criatividade
Valorizar a divergência cognitiva; criar momentos de emergência de opiniões pessoais fundamentadas; devolver perguntas formuladas pelos alunos; estimular a criação de cenários e soluções alternativas; induzir a ver outros lados da realidade são algumas das manifestações possíveis deste princípio.
JMA (a partir de Miguel Fernández Pérez, Las tareas de la professión de enseñar)
Publicado originalmente no Correio da Educação, 161, Outubro de 2003
Inhttp://terrear.blogspot.com/2011/01/15-invariantes-de-uma-pedagogia-com.html (Acedido em 18/01/2011)
José Matias Alves